Gustavo Conde

Cúpula do Clima: que saudade do jornalismo que era contra governos

Ver os jornais brasileiros fazendo vista grossa a Bolsonaro, até em cenários internacionais, como a Cúpula do Clima, é quase tão doloroso quanto vê-los assistindo solenemente ao genocídio

Arte: Vicente Mendonça/RBA
Arte: Vicente Mendonça/RBA

A forma como vem sendo noticiada a participação do governo brasileiro na Cúpula do Clima pela imprensa corporativa remete a um passado não muito distante. É que lembrar como o jornalismo brasileiro teve que se contorcer na sórdida campanha contra a verdade nos governos Lula e Dilma dá saudade. Além de um governo democrático, soberano, popular e competente, tínhamos o prazer de observar as elites brancas da imprensa ostentando seu ódio diário contra a potência democrática de uma vontade popular sem fraude. Miriam Leitão esperneava. Augusto Nunes enlouquecia. Revista Veja agonizava (no ódio editorial). Folha de S.Paulo mergulhava nas fake news para tentar derrubar o governo. Rede Globo pintava um Brasil devastado, com inflação e aparelhamento do Estado. Dava um prazer estranho assistir a tudo isso. Era a percepção de um subjornalismo derrotado, que mal roçava a realidade dos fatos.

Nessa toada editorial, o Brasil descobriu o pré-sal, cumpriu metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), combateu o desmatamento com vigor, demarcou territórios indígenas, trouxe Olimpíadas e Copa do Mundo, aumentou nosso poder de compra, ganhou mais direitos para os consumidores, desfilou em pleno emprego e consumiu cultura como nunca antes. Era uma alegria ler – todos os dias – o diversionismo editorial dos grandes jornais virando as costas para tudo isso. E ao mesmo tempo ostentando tempo uma frustração intelectual que superava em muito o nosso já surrado complexo de vira-lata.

Fato é que perdemos até isso

Com Bolsonaro, o jornalismo se realinhou a sua vocação adesista. Vemos parcos editoriais – de periodicidade rarefeita – exortando cinicamente sub-leitores a se posicionarem contra um genocida. Como numa tentativa inócua de manter distância de segurança da catástrofe em curso. E aí, é um espetáculo deprimente. Porque ver os jornais brasileiros fazendo vista grossa a Bolsonaro, até em cenários internacionais, como a Cúpula do Clima, é quase tão doloroso quanto ver os mais de 3 mil mortos por dia desfilarem diante da indiferença editorial daqueles que comandam nosso famigerado oligopólio midiático.

Oxalá o Brasil volte a contemplar uma imprensa raivosa, como aquela dos governos Lula e Dilma. Porque será construído mais um ciclo de civilização, à revelia dessa imprensa, como nos 13 anos de democracia ampla e soberania plena do passado recente.

À espera do próximo golpe.

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