Desenvolvimento em foco

A Indústria 4.0 e os desafios para os trabalhadores

Trabalhadores devem ser protagonistas, articular e cobrar o diálogo sobre o futuro e a Indústria 4.0, tendo sempre o trabalho decente como princípio

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Os termos “Indústria 4.0”, “manufatura avançada” e “digitalização” têm estado cada vez mais presentes em discussões no meio acadêmico, empresarial, governamental e também no mundo sindical. Cunhado na Alemanha em 2012, “Indústria 4.0” traduz a política do estado alemão para um salto tecnológico, visando manter a dianteira global em projetos e construção de máquinas e equipamentos inteligentes, esforço articulado que reúne governos, empresários, acadêmicos e trabalhadores. Países como EUA, China, Japão, Índia e Coréia do Sul também utilizam “marcas” para designar o trabalho desenvolvido na busca por um posicionamento estratégico em campos da nova indústria como o armazenamento e tratamento de dados, microeletrônica, inteligência artificial e máquinas inteligentes entre outros. Tratei do tema na 16ª Carta de Conjuntura do Observatório de políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS (disponível em www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs).

Ainda que o termo “I.4.0” faça referência à indústria, este conjunto de novas tecnologias tem alterado o setor de serviços, comércio, hospitalar, agropecuário, de exploração mineral e possibilitando novos negócios, como uma infinidade de serviços oferecidos por plataformas digitais, acumulando uma quantidade nunca vista de dados. Não por acaso as grandes potências mundiais (países e corporações) investem somas vultosas nestes campos e travam guerras pelo domínio destas tecnologias, a exemplo da disputa pela hegemonia na frequência 5G, envolvendo China e EUA.


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Neste cenário de avanços tecnológicos em ritmo alucinante, causa preocupação o futuro reservado aos trabalhadores. Estudos apontam para uma redução significativa de postos de trabalho. O relatório “O Futuro dos Empregos 2018”, do Fórum Econômico Mundial, aponta para a eliminação de 75 milhões de empregos devido à automação até 2022, enquanto a Consultoria McKinsey, após análise de 800 profissões em 46 países ao longo de 2017, estima que 800 milhões perderão seus empregos até 2030 e até um terço dos postos de trabalho atuais poderá ser automatizado em apenas 13 anos.

Outros estudos indicam o surgimento de novas vagas e profissões, porém não há indicativos que suprirão a perda de postos de trabalho existentes. Uma grande preocupação é em quais países estes novos empregos surgirão e quais as políticas de capacitação serão ofertadas aos trabalhadores. A automação e implantação de novas tecnologias tendem a eliminar de maneira mais célere uma serie de ocupações de média e baixa complexidade, que são os mais numerosos no Brasil. Segundo estudo da UNB, 54% dos empregos formais no país estão ameaçados por máquinas.

O país vem sofrendo desindustrialização acentuada, com fechamento de fábricas e efeitos diretos na redução do comércio, prestação de serviços e empregos. A participação da indústria de transformação no PIB brasileiro, que havia sido de 22% em 1985 e 18% em 2004, chegou a seu pior nível em 2019, com 11% e tendência de queda. O Brasil, que em 2017 era o sétimo país em participação no valor adicionado mundial da indústria de transformação, com 1,30%, caiu para a décima sexta posição em 2019, com 1,19%.


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Sabendo que a disputa geopolítica pelo protagonismo no campo da inovação, desenvolvimento e domínio das novas tecnologias passam por investimentos e políticas estratégicas, o ambiente brasileiro é preocupante. Os investimentos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação vem caindo ano após ano: de R$ 7,9 Bilhões em 2013 para R$ 3,0 bilhões em 2019. O país possui 700 pesquisadores por milhão de habitantes enquanto nos EUA são 3900; na Coréia do Sul, 6400; e Israel, 8300. Entre os principais países em investimentos com pesquisa e desenvolvimento em 2019, o Brasil aplicou US$ 39,6 bilhões, enquanto a Coréia do Sul aplicou US$ 93,5 bilhões, Índia US$ 94,1 bilhões, Alemanha US$ 123,2 bilhões, Japão US$ 193,2 bilhões, China US$ 519,2 e EUA US$ 581 bilhões.

Esta realidade altamente competitiva e tecnológica tem potencial predatório para os brasileiros. Reformas que visam baratear o custo de produção e maximizar lucros tem precarizado e empobrecido os trabalhadores. Assim, crescem os números de trabalhadores pulverizados e alheios ao pertencimento de classe ao lado da falta de políticas públicas estratégicas que impeçam o desmonte da indústria nacional e possibilitem a capacitação dos trabalhadores para a nova indústria.

Na falta de políticas de desenvolvimento e de um plano nacional de capacitação profissional, os trabalhadores tem buscado sua sobrevivência no ambiente informal por meio de aplicativos. Segundo o Instituto Locomotiva, 17 milhões de brasileiros utilizam aplicativos para obter alguma renda, sendo que 3,8 milhões declaram os aplicativos como principal fonte de renda (Pnad – IBGE).


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De acordo com a associação brasileira do setor de bicicletas – Aliança Bike, em pesquisa realizada com ciclistas de aplicativos, 57% trabalham todos os dias, 75% trabalham até 12 horas por dia, para ganharem R$ 936,00 mensais em média e 59% declararam que estavam desempregados. É o novo proletariado, que depende de smartphones para desempenhar suas atividades, geralmente de alta intensidade, pouco controle, baixa remuneração e que, apesar da presente subordinação, não há quem se responsabilize por eles.

Toda essa discussão coloca diversos desafios para a sociedade brasileira, mas principalmente aos trabalhadores e movimento sindical. Compreender as mudanças em curso e estabelecer uma mesa nacional de diálogo entre trabalhadores, academia, empresários e governos é fundamental para a construção de políticas de fomento à inovação, ao fortalecimento das cadeias de valor e capacitação profissional. Vale destacar a necessidade de capacitação dos agentes negociadores em relação aos temas e suas contribuições.

É estratégico pensar a reindustrialização do país, com políticas de investimentos e de reconversão industrial, com vistas a promover os saltos tecnológicos necessários. A indústria promove o desenvolvimento tecnológico, científico e educacional de um país. No caso brasileiro, há um potencial de articulação com setores como alimentação, infraestrutura, energia e defesa que somam nos esforços do desenvolvimento do país com “DNA” nacional.


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Torna-se imprescindível combinar estes esforços com um pacto de transição justa. Trata-se de estabelecer uma política de Estado em que os investimentos e reestruturações tenham seus impactos e prazos negociados entre sindicatos e empresas, de forma a mitigar a drástica perda de postos de trabalho, combinando os avanços tecnológicos com previsibilidade de novos empregos. Além da necessidade de uma política de capacitação profissional visando habilidades confluentes com as tecnologias e flexíveis para que os trabalhadores possam transitar no processo.

E ainda, principalmente ao movimento sindical, representar os trabalhadores alocados nas novas relações de trabalho, como profissionais em startups, MEIs e aplicativos, de forma a garantir direitos sociais a estes trabalhadores e que essas novas modalidades contribuam para um projeto de desenvolvimento nacional, incluindo maior sinergia com o meio acadêmico.

Os desafios são enormes, mas para um país com o tamanho e o potencial que o Brasil possui, necessitam ser encarados e superados. O que só será possível com o diálogo envolvendo a sociedade, com suas representações, comprometidas em resgatar a importância do país na geopolítica internacional, capaz de gerar conhecimento, riqueza para sua população e contribuir para o desenvolvimento de outros países. E que tenha o trabalho decente como centro do debate do avanço tecnológico. Os trabalhadores devem ser protagonistas em articular e cobrar esse diálogo e ações concretas sobre o futuro do trabalho e a Indústria 4.0.


Wellington Messias Damasceno, diretor administrativo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, trabalhador na Volkswagen – SBC, advogado e pós-graduado em Direito e Relações do Trabalho, e Pesquisador Convidado do Observatório Conjuscs.


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