Jornalismo

Notícia sobre jornalista presa na China é uma farsa

Reportagem da Reuters propagada como um vírus engana o público sobre caráter da atividade de Zhang Zhan e omite fatos relevantes

Reprodução
Reprodução
Anti-comunista, cristã e ferrenha defensora da “liberdade”, Zhang quer se tornar um mártir a qualquer custo

Na segunda-feira (28) foi noticiado, primeiramente pela Reuters e depois por praticamente toda a mídia, a prisão de uma suposta “jornalista” chinesa. O título da notícia original da Reuters (que, importante notar, é uma das maiores e mais reputadas agências de notícias do mundo) foi o seguinte: “China jails journalist for four years over Wuhan virus reporting” (“China aprisiona jornalista por quatro anos por noticiar sobre o vírus de Wuhan”).

Para alguém que já está acostumado com os ataques diários da mídia ocidental ou para alguém que absorve todo esse conteúdo acriticamente, nada de novo. Porém, esse simples título (e sua completa dissociação com a realidade) mostra como mesmo grandes agências não estão isentas de manipulação e, sim, fake news.

Que fique claro, contudo, que meu objetivo não é desqualificar ninguém. Mas demonstrar como é necessário cautela, bom senso, e ponderação antes de engolir qualquer história que nos é contada. Mesmo que venha de supostas fontes confiáveis (como supostamente deveria ser a agência Thomsom Reuters). Vou ignorar a parte que fala de “Wuhan virus”, porque é só mais do bom e velho “vírus chinês” (e a sinofobia) disfarçado.

Prossigamos.

O que é “jornalista-cidadã”

Depois de algum tempo, tendo surgido polêmicas, a Reuters alterou o título e, no lugar em que dizia journalist (“jornalista”), colocou citizen-journalist (“jornalista-cidadã”, seja lá o que isso significar). Isso se deve ao fato de que foi constatado que Zhang Zhan, a suposta “jornalista-cidadã” da foto, na verdade não tinha nada de jornalista. Na verdade, esse termo foi cunhado pela mídia para designar blogueiros que protestavam contra o lockdown chinês, como Zhang Zhan (a blogueira da foto), invadindo lugares como hospitais, crematórios e até mesmo fóruns de justiça que estavam com acesso restrito ao público devido ao lockdown – e tudo isso em nome da “liberdade”. Qualquer semelhança com bolsominions não é mera coincidência.

De nenhuma forma poderiam Zhang Zhan e qualquer um dos “jornalistas-cidadãos” criados pela mídia ser classificados como jornalistas: nenhum deles era jornalista de fato, nenhum deles era sequer formado em jornalismo, nem exercia a profissão de jornalista. Zhang Zhan, por exemplo, era uma advogada. Postava seus vídeos em redes sociais como o Twitter e o YouTube.

Em seus vídeos, é possível ver Zhang Zhan em diversas ocasiões entrando em lugares com acesso restrito devido ao lockdown e gritando com funcionários, policiais e militares. No título de seus vídeos (basta usar o Google tradutor, recomendo que traduzam para o inglês), podemos ver coisas como “a saúde pública não é mais importante que a liberdade de ir e vir” e coisas nesse sentido.

Não precisa de muito pra perceber que o objetivo de Zhang Zhan era justamente esse: ser presa. Há muito, ela tenta chamar o máximo de atenção possível. É uma espécie de Sara Winter chinesa: provoca até não ser possível mais ignorá-la.

Mártir a qualquer custo

Desde que foi presa, Zhang tem feito pouco para se defender judicialmente: começou uma greve de fome, e mesmo após sua condenação a 4 anos de prisão, não demonstrou interesse em recorrer judicialmente (o que ela pode fazer), apenas se limitou a dizer um de seus mantras: “o cidadão não pode ser privado de se expressar”. Anti-comunista, cristã e ferrenha defensora da “liberdade”, Zhang quer se tornar um mártir a qualquer custo.

Mas será que Zhang foi presa por ter se expressado, como ela e a Reuters (e toda a mídia que deu ctrl-c e ctrl-v nessa matéria) alegam? Não! Zhang foi condenada com fulcro no item 4 do artigo 293 do Código Penal da China Popular, o qual dispõe que estarão sujeitos a até 5 anos de prisão aqueles que causarem desordem e causarem confusão em local público. Acredito que violar áreas restritas devido ao lockdown, gritar com funcionários e causar confusão em geral se enquadre nesse crime. E o pior: não foi uma ou duas vezes, foram diversas vezes. Ela ainda pode, porém, recorrer da decisão, que ainda foi tomada apenas em primeira instância.

A tipificação de crimes contra a ordem pública, porém, é vista com maus olhos no mundo ocidental, pois, segundo algum liberal (provavelmente), “é algo muito discricionário” (como vemos, talvez não seja tão discricionário assim). No mundo ocidental, em regra (existem exceções), só existe um tipo de crime contra a ordem pública: utilizar, transportar, cultivar, trocar ou comercializar drogas. Assim, temos, por exemplo, no Brasil, prisões lotadas de aviõezinhos do tráfico enquanto bolsomínions e gente sem noção em geral que invade hospitais, funerais etc. para protestar contra a “falta de liberdade” que o coronavírus impõe (ao estilo de Zhang Zhan) seguem soltas, incólumes para atrapalhar (pasmem!) a liberdade de VIDA alheia.

Portanto…

Voltemos agora ao título da notícia da Reuters, explicitado no começo desse post. Chegamos enfim à conclusão de que:

1) Zhang não é uma jornalista. Nunca trabalhou com jornalismo, nunca estudou jornalismo. É apenas uma blogueira, ao estilo de Sara Winter. Sua profissão (a qual aparentemente não exercia) era de advogada.

2) Zhang não foi presa por ter “se expressado” muito menos por ter “noticiado” qualquer coisa. Ela foi presa por motivos totalmente alheios, como podemos ver em seus próprios vídeos (aqui e aqui).

Por fim, concernente ao mito de que “não há liberdade de expressão na China”, gostaria de fazer uma reflexão, usando ainda este caso. A notícia da Reuters (que é a que foi copiada por todas as outras agências de notícias, frise-se) foi escrita por duas jornalistas CHINESAS: Brenda Goh e Yew Lun Tian (disponível no próprio site da Reuters).

Jornalistas atuam livremente na China

Essas, de fato, são jornalistas. Assim como milhares de outros jornalistas que trabalham para agências de notícias de dentro e de fora da China, Brenda Goh e Yew Lun Tian publicam, frequentemente, notícias, como a que está em pauta, que atacam direta ou indiretamente a China como um todo e o Partido Comunista Chinês. Nenhum desses jornalistas de fato é preso, inclusive vivem em grandes cidades chinesas como Pequim, Xangai, entre outras. Só isso já demonstra a farsa da “perseguição contra jornalistas na China” que vige atualmente no ocidente.

É mais do que necessário questionarmos a narrativa vigente e percebermos, antes tarde do que nunca: a Guerra Fria (e a disputa ideológica de narrativas) ainda não acabou. E o ocidente capitalista segue vencendo e demonizando qualquer coisa que não se encaixe no modelo burguês-liberal. E a narrativa do vencedor é sempre mais tentadora — isso demanda de nós dupla sobriedade e capacidade de análise para que não caiamos em narrativas falsas.

Artigo publicado originalmente no site O Partisano