Desenvolvimento em foco

Reflexos sociais e econômicos do direito de laje

Muito embora tenha sido veiculado como direito ao “puxadinho”, o direito de laje merece maior relevo e atenção, devendo ser difundido sob seus aspectos social e econômico

Pixabay
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O direito real de laje foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela Medida Provisória 759 de 22 de dezembro de 2016 seguida da Lei nº 13.465 de 11 de julho de 2017 que disciplinou o assunto alterando o Código Civil e a Lei de Registros Públicos. Trata-se de uma inovação para suprir às necessidades de regularização fundiária urbana decorrente do crescimento irregular, bem como uma forma de melhor atender a função social da propriedade, permitindo a alienação da laje superior ou inferior, para que o adquirente construa, observando a necessidade de projeto aprovado pela autoridade municipal, atentando-se a manutenção do estilo arquitetônico adotado pelo titular do prédio-base.

Art. 150-A. […]
§ 1º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base. (BRASIL, 2002).

Art. 176. […]
§ 9º. A instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca. (BRASIL, 2016).

Distinção do direito de superfície

O desenvolvimento urbanístico, o crescimento desordenado e a necessidade da população se estabelecer trouxeram uma paisagem verticalizada, não somente pela presença dos condomínios edilícios como também pelas construções ampliadas para atender o aumento da família ou acolhimento de um parente sem moradia, de um filho que se casa e também pelo surgimento de residências sobre comércios para melhor aproveitamento da propriedade.

Este material é parte da nota técnica de minha autoria, publicada na 14ª Carta de Conjuntura do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs).

Até a edição do Estatuto da Cidade, não havia no direito brasileiro instituto que conferisse direito de construir em terreno alheio, o direito de superfície possibilitou que o proprietário conceda a outrem a superfície do terreno, verificando-se um primeiro esboço do direito de laje ao abranger o espaço aéreo e o subsolo. Contudo, o direito de superfície é temporário e limitado a construção ou plantio, todavia, não sendo conferido ao superficiário direito de propriedade sobre o imóvel.

Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis. (BRASIL, 2001).

Distinção do condomínio

Muito embora guarde traços de semelhança com o condomínio ao tratar das despesas de fruição que servem a todo o edifício, o direito de laje não pode ser confundido com condomínio.  A laje pode apresentar uma construção em pavimento superior ou no subsolo da construção-base, originando uma unidade autônoma, não havendo conjunção de propriedade autônoma e propriedade comum, tampouco dá direito à fração ideal de solo.

É inegável que as partes estruturais como alicerce, colunas, pilares, bem como telhado, encanamentos de água e esgoto, passagem de fios de eletricidade, aquecimento, cabos, tubulações de gás e semelhantes, servem a toda a construção, devendo, portanto, os custos de manutenção ser compartilhados entre todos que deles se servem.

Encontra-se presente todos os direitos inerentes à propriedade, podendo seu titular usar, fruir e dispor, ou seja, alienar, locar e até gravar sua unidade autônoma.

Aspectos sociais e econômicos

Destaca-se aqui um dos aspectos mais relevantes do direito real de laje, que é sem sombra de dúvida, melhor atender ao direito social de moradia e da propriedade, regularizando situações fáticas do cotidiano que certamente impactará a atividade imobiliária em áreas menos valorizadas economicamente.

Diante de um cenário econômico ainda mais agravado pela pandemia da covid–19, o direito de laje traz a viabilidade do proprietário de imóvel que esteja em dificuldades financeiras, manter o bem em seu patrimônio e conseguir recursos financeiros alienando a laje superior ou inferior, pela exploração de seu próprio imóvel, o que se mostra uma estratégia econômica, garantindo moradia e levantando recursos para sua subsistência ou ainda para investir em algum negócio próprio.

Sob o ponto de vista do direito de moradia, vale analisar o instituto sob a ótica de quem adquire a laje. Para tanto, basta pensar no incontável número de pessoas que residem em lajes alheias, normalmente por ser parte da família do proprietário. Contudo, muitas vezes a construção é feita pelo próprio membro da entidade familiar, que constrói sobre o prédio-base sem qualquer garantia de moradia no tempo, vez que se o proprietário decidir vender o imóvel ou ainda vier a falecer, essa situação de fato não lhe dá qualquer segurança jurídica de moradia ou de indenização, vez que a construção foi feita em solo alheio.

Segurança de moradia

Sob esta perspectiva, o direito de laje garante a possibilidade de registrar a construção superior ou inferior em nome de pessoa distinta a do proprietário do solo, conferindo à sua família segurança de moradia e, por se tratar de unidade autônoma com matrícula própria, admite-se dar o bem em garantia, o que confere ao interessado na aquisição, a possibilidade de buscar financiamento gravando a própria laje.

Desse modo, esse direito permite a construção sobre ou sob a laje de prédio-base alheio, desdobrando-se a propriedade original e abrindo nova matrícula instituindo esse direito, que não contemplará fração ideal do terreno nem as demais áreas já edificadas.

Para abertura da nova matrícula, o instrumento deve conter a descrição do imóvel em medidas, confrontações e em sua identificação, necessitando de numeração própria, inclusive para fins tributários e serviços como telefonia e iluminação, razão da exigência de acesso independente da construção-base.

Aspectos tributários

Esses novos negócios surgidos a partir do direito de laje trazem um reflexo na tributação, dispõe o § 2º do art. 1.510-A do Código Civil que o titular do direito de laje responderá pelos encargos e tributos incidentes sobre sua propriedade, cabe então examinar quais são esses tributos.

Ao se instituir esse direito, haverá incidência de imposto na transmissão, sendo de ITBI nos transmissões onerosas e de ITCMD nas transmissões gratuitas, além é claro da incidência de IPTU sobre a propriedade da laje que ocorrerá após o devido registro.

O impacto positivo para o Erário é indiscutível, por outro lado o tratamento tributário desse instituto ainda merece maior apreciação, sobretudo no tocante ao imposto territorial e predial urbano, vez que a legislação dos municípios ainda não se adequou à nova modalidade de propriedade.

Considerações finais

Dessa breve análise, é possível constatar inúmeros reflexos sociais e econômicos decorrentes da instituição do direito de laje, desencadeado por um avanço legislativo que passa a considerar o direito de propriedade sob nova perspectiva.

Muito embora tenha sido veiculado como direito ao “puxadinho”, o direito de laje merece maior relevo e atenção, devendo ser difundido sob seus aspectos social e econômico a fim de estimular o mercado imobiliário para a negociação de lajes superiores e inferiores, atender ao anseio humano de propriedade e moradia considerando uma nova realidade econômica e de direito, bem como de ampliar a arrecadação de tributos pela sua instituição.


Rosana Marçon da Costa Andrade é professora de Direito na graduação e pós-graduação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), executora dos Convênios da USCS com a Defensoria Pública e com o Tribunal de Justiça. É pesquisadora do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura (Conjuscs).

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