Ponto de vista

Recuar imediatamente da flexibilização em São Paulo

Governo Doria erra ao minimizar números da pandemia. Além dos impactos na saúde das pessoas, flexibilização em tempo errado pode retardar a retomada do crescimento econômico

Governo de São Paulo
Governo de São Paulo
É preciso que Doria reverta essa decisão o quanto antes e retome a linha de ouvir os especialistas tendo como centro a proteção da vida

O governo do estado de São Paulo decidiu flexibilizar o isolamento social de combate à pandemia da covid-19, distribuindo o nível de liberação do comércio, espaços públicos e outros serviços a partir de uma gradação de uma a cinco fases.

No geral, acerta o governador ao tomar medidas relacionadas à pandemia baseado em informações denominadas “técnicas” e acompanhada de uma junta de especialistas das áreas da saúde e outros campos da ciência. Não parece ser esse o critério, para decidir pela abertura nessa fase da pandemia.

O governo erra ao minimizar os números da pandemia. Ao divulgar as novas regras o governo comemorou dizendo que desde 15 de março São Paulo representava 68% dos contaminados do Brasil este percentual estava em “apenas” 22% em 25 de maio. São Paulo é a maior cidade do Brasil e foi aqui a porta de entrada da pandemia no país. Existe outra dimensão em números absolutos, por exemplo, no dia 30 de março os contaminados no Brasil eram 4.579 tendo 159 óbitos e em 31 de maio chegamos a 514.849 infectados tendo mais de 29 mil óbitos. O número de 22% de contaminados em São Paulo corresponde à distribuição proporcional da população nacional, portanto, não existe “apenas”, mas sim, ainda.

O segundo erro é considerar que a cidade de São Paulo está apta a iniciar a abertura comercial e de circulação de pessoas. A decisão não pode ser tomada sem levar em conta a situação metropolitana. Como classificar de modo distinto as cidades da região metropolitana se as pessoas transitam livremente entre as cidades? Os prefeitos da região questionam o governo estadual corretamente sobre critérios diferentes sendo que a cidades estão irmanadas.

O terceiro erro é dizer que estamos estacando a curva de crescimento do covid-19, dados de São Paulo e do Brasil mostram o contrário, ainda estamos na ascendência de contaminação. O vírus chegou nas regiões mais carentes e de maior adensamento populacional. É dramática a situação do povo nas periferias das grandes cidades do estado. O governador diz que se houver ampliação da contaminação pode recuar na medida, mas já há ampliação: a pandemia está em rápida evolução.

Não há informações suficientes para determinar se São Paulo chegou ao platô da pandemia, e ainda que tivéssemos atingido o platô, os números são de alta de contaminação e não de queda. No dia 20 de maio, o estado tinha quase 70 mil infectados e mais de cinco mil óbitos; nesse mesmo período, na cidade de São Paulo, tínhamos quase 40 mil infectados e mais de três mil óbitos; dez dias depois, em 30 de maio, no estado de São Paulo passamos de 107 mil infectados e 7.500 mil mortes no estado, sendo mais de 55 mil infectados e mais de 4 mil mortes na capital paulista.

O quarto erro está no controle do isolamento social, a cidade de São Paulo não chegou próximo da meta estabelecida de 70% de permanência das pessoas em casa. O teto de isolamento, medido pelo governo paulista é de 58%, tendo na média, abaixo de 50%. Como se comporta a população quando o governador anuncia a flexibilização? Já sabemos. Doria ensaiou uma abertura meses atrás, justamente quando a população iniciava um aumento do isolamento, após essa mensagem houve um relaxamento da adesão populacional. Não tem jeito, por enquanto, é o isolamento social a maior arma que temos para combater a propagação do vírus.

O quinto erro são as condições estruturantes da saúde pública paulista para enfrentar a pandemia. Por maior esforço que haja, ainda não temos leitos de UTI suficientes, a média de ocupação na cidade de São Paulo é de 90%. Mesmo com hospitais de campanha e a liberação de leitos privados, estamos próximos da saturação e colapso do sistema. A flexibilização pressionará o sistema de saúde.

Entendo que as medidas tomadas pelo governador João Doria estão relacionadas à pressão e à angústia de parte importante dos setores econômicos do estado de São Paulo. De fato há uma situação dramática para a sobrevivência de empregos e empresas. Na bancada do PCdoB em Brasília, há o esforço do nosso deputado Orlando Silva (PCdoB/SP) em garantir renda para o povo e condições de existência das empresas. Como relator da MP 936, aprovou mudanças importantes para beneficiar trabalhadores e segmentos econômicos da sociedade brasileira. Contudo, a questão continua, qual será o impacto econômico se não controlarmos a pandemia? A flexibilização em tempo errado pode retardar a retomada do crescimento econômico. Sei que a decisão é dura, mas ações que visam dar mais otimismo à sociedade sobre essa grave crise sanitária e econômica podem ter efeito frustrante se logo após a abertura outras medidas mais rígidas forem necessárias, além do efeito “sanfona” de abre e fecha, o povo não pode receber mensagens controversas.

Governador João Doria, reverta essa decisão o quanto antes e retome a linha de ouvir os especialistas tendo como centro a proteção da vida, já que o presidente Jair Bolsonaro não tem compromisso algum com a saúde de nosso povo. Enfrentar o coronavírus é o maior desafio de nossos tempos. Coragem para enfrentar este difícil momento.

* Rovilson Robbi Britto é presidente estadual do PCdoB-SP


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