Que futuro

Agora como no passado, o pobre Brasil de sempre. Por Marcio Pochmann

Com economia atolada, o empobrecimento avança, sob a dominação da gestão dos excluídos por grupos de fundamentalismo religioso, milícias e crime organizado

Com a economia atolada no terreno da estagnação produtiva e prisioneira do volante neoliberal, o repositório composto por uma multidão de empobrecidos pela precocidade da desindustrialização cresce aceleradamente. E cada vez mais sem perspectivas. Diante disso, o Brasil voltou a se defrontar com dois problemas cruciais.

De um lado, a divisão do território nacional forçada pela elite em dois brasis distintos (norte e sul) e, de outro, a ascensão dos pregadores religiosos e do banditismo organizado. A recente discriminação imposta pela condução do programa Bolsa Família explicita como o governo federal trata de gerir as multidões empobrecidas, impondo à região nordestina insignificante parcela de novos beneficiados, sem comentar a fala gravada preconceituosa do presidente Bolsonaro contra “aqueles governadores paraíba”.

Da mesma forma em relação à proliferação de pauperizados cada vez mais excluídos pelo corte de recursos governamentais e abandono de políticas públicas numa economia anêmica, com ascensão do protagonismo tanto do fundamentalismo religioso como do crime organizado e milícias. Assim, a coesão social remontada à base da perspectiva divergente da implantação do Estado Teocrático ou do Estado Policial.

Como há 100 anos

A década de 2010, perdida para a economia e desastrosa para a maior parte da sociedade, foi simultaneamente ganha pelos pregadores religiosos que constituíram mais de 100 mil igrejas, presentes em cada terreno da nação. Também para o crime organizado e as milícias, a década não deixou de ser um sucesso.

Em relação a isso, constata-se que o Brasil se transformou no quinto maior mercado de negócios no setor de segurança do mundo. Na década de 2010, por exemplo, a quantidade de trabalhadores empregados nas atividades de segurança privada foi multiplicada por 2,5 vezes, indicando que para cada um militar há quase três profissionais de serviços privados nas funções de proteção pessoal e patrimonial.

Nesse sentido que o Brasil parece defrontar-se novamente, guardada a proporção, com problemas de difíceis soluções, conforme há 100 anos, quando completava o primeiro centenário da Independência nacional. Naquela oportunidade, a miséria massificada na população liberta da escravidão estava literalmente à margem de qualquer possibilidade de incorporação no capitalismo conduzido pelo liberalismo excludente da República Velha (1889-1930).

O máximo de concessão da oligarquia agrarista era tratar a caótica questão social como mais um simples caso de polícia. Exemplo disso foi o Estado policial daquele período conflagrado por instabilidade política, crise econômica, conflitos sociais, conspirações civis e militares e, ainda, revoltas armadas. O mandato de Artur Bernardes entre 1922 e1926 foi marcado pelo dispositivo constitucional do Estado de Sítio a concentrar poder e reduzir direitos e liberdades individuais.

Disputa de narrativa

A incredibilidade nas instituições públicas e na atuação política partidária favoreceu as multidões destituídas a se engajarem em marchas promovidas por pregadores místicos e fanatismo religioso. Do mesmo modo, a presença de conteúdo social também se fazia contida no banditismo dirigido pela violência e o messianismo a atender, em parte, anseios populares desconectados dos governos de plantão.

Por fim, a disputa pela narrativa dos dois brasis protagonizado na década de 1920 entre os jornais O Estado S. Paulo, que publicou entre 1923 e 1925 a série “Impressões do Nordeste”, e o Diário do Nordeste que revidou com a publicação do livro do Nordeste.

A polarização concentrava-se na validação das elites pelo reconhecimento da decadência nordestina marcada pela pobreza e atraso diante da modernização e pujança da região centro sul, bem como a sua contestação diante do imperialismo paulista.

Toda essa simplificação encontra, contudo, um fundo de realidade na atualidade. O empobrecimento avança, sem perspectiva de superação que não esteja no aprofundamento da oposição interregional e na dominação da gestão dos excluídos ainda não compartilhada, ao que parece, por grupos de fundamentalismo religioso, milícias e crime organizado frente ao avanço do Estado policial.



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