Marcio Pochmann

Políticas de autoafirmação e soberania do Brasil sempre incomodaram os EUA

EUA sempre interferiram para bloquear pretensões de soberania do Brasil. E para impor o realinhamento à ordem neoliberal e a submissão às ordem do império

Após consolidar em 2019 a primeira década perdida para a economia nacional do século 21, o país iniciou o ano de 2020 mais subalterno à ordem neoliberal. O golpe de 2016 no Estado democrático revelou como os obstáculos da geopolítica impuseram o realinhamento dos governos Temer e Bolsonaro às pretensões de soberania política do Brasil e autonomia econômica em curso desde o início dos anos 2000.

O imediato retorno da privatização e desnacionalização em diversos setores da economia como infraestrutura, agro e mineral exportador, industrial, construção civil, entre outros, indica a centralidade capitalista nos negócios patrimoniais e rentistas. Com isso, a desmobilização da recuperação econômica associada à incapacidade de ampliar o conjunto interno das forças produtivas no país.

Assim, o enfraquecimento do processo de integração e articulação do território nacional, permitindo que a lógica econômica de enclaves predomine em conformidade a possibilidade de inserção externa.

Dessa forma, incapaz de melhorar a inserção internacional da nação, cujo balanço de pagamentos torna-se vulnerável diante da dependência crescente tanto da importação de manufatura e maior valor tecnológico como da remessa de lucros e dividendos e das ondas especulativas expressas por fuga de capital e corrida cambial.

Historicamente, com sua chegada tardia ao capitalismo, o Brasil buscou ocupar lugar no concerto das grandes nações através da diplomacia na geopolítica mundial. Para tanto, ensaiou tentativas de desvencilhar-se da submissão imposta ao império de plantão (incialmente a Inglaterra e posteriormente os EUA), bem como a estratégia expansionista de ocupação e integração socioeconômica do território nacional de dimensão continental.

Mas isso ocorreu somente em três momentos singulares de experimentação autônoma na fundamentação capitalista, sobretudo quando a sujeição à ordem liberal/neoliberal foi questionada.

O primeiro momento é associado ao projeto de Vargas que na década de 1930 abandonou o padrão ouro-libra inglesa, responsável pela vigência hierárquica do sistema centro-periferia, com a desvalorização da moeda nacional e a moratória do endividamento externo.

Também logo no início do seu segundo governo (1951-1954) tornou a romper com a paridade fixa do padrão ouro-dólar estadunidense adotado em 1947 pelo liberalismo do presidente Dutra (1946-1951). Com o novo regime de câmbio múltiplo abriu as condições para implantar a industrialização pesada a partir do seu incompleto governo Vargas e avançar com o Plano de Metas de JK (1956-1961).

O segundo momento identifica-se com o governo Geisel (1974-1979), que procurou estabelecer caminho próprio frente ao abandono das regras internacionais derivadas do Acordo de Bretton Woods desde 1944 e a decomposição do padrão ouro-dólar estadunidense em 1973.

A aplicação do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) permitiu consolidar a industrialização pesada com importante articulação do Brasil no plano internacional, em certa medida à margem dos interesses privilegiados dos EUA.

Por fim, os governos do PT, que durante os anos 2000 buscaram recuperar a soberania perdida pelo neoliberalismo da “era dos Fernandos” (1990-2002). A articulação no plano Sul-Sul ganhou importância comercial e base para a internacionalização de empresas nacionais, bem como a construção dos Brics apontou para outra mundialização alternativa à globalização conduzida pelos EUA.

Os três momentos singulares foram, cada um a seu modo, interrompidos por percalços da geopolítica mundial, sendo os Estados Unidos os principais protagonistas da reação interna e externa às pretensões de soberania política e autonomia econômica brasileira.

Como resultado, o imediato realinhamento à ordem liberal/neoliberal acompanhado da submissão às condições do império estadunidense e ausência de participação no concerto das grandes nações do mundo.


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