triste barbárie

Como se produz um sequestrador? Como assassiná-lo nós já sabemos

Governador festejando execução sumária de sequestrador de ônibus mostra que o maior país católico do mundo se transformou em um lugar de adoradores da morte. Por Douglas Belchior

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O governador Wilson Witzel festeja a execução do agressor que sequestrou um ônibus, quando não oferecia nenhum risco aos reféns: pena de morte sumária disfarçada de ação policial

Em uma cena de sequestro, todo mundo torce para a vítima, ninguém para o sequestrador. A mãe dele, talvez. Talvez! É natural então que quando o sequestro termina com a vítima ilesa, todo mundo comemore. O que é algo muito diferente de comemorar a morte do sequestrador.

Uma coisa é a comemoração da vida, outra coisa a comemoração da morte. É grotesco então ver o governador do Rio de Janeiro, um estado cheio de problemas urgentes, pegar um helicóptero no meio do seu turno de trabalho, voar até o local do acontecido não para confortar as vítimas, mas para pateticamente comemorar a morte, como quem comemora um gol.

É isso que se tornou o Brasil recentemente. O maior país católico do mundo se transformou em um país de adoradores da morte. Amém!!!

É claro, está todo mundo cansado da violência, nossa empatia está com a vítima. O problema é que essas cenas continuam se repetindo. Como se produz um sniper? Como se produz um sequestrador? “Tropa de Elite” e “Ônibus 174” respondem. Filmes contraditórios, como é contraditório o seu diretor bolsonarista arrependido.

Se o interesse é na segurança civil, por que o governador não começou seu mandato incentivando o treinamento e a ação de negociadores? O interesse é na segurança da vítima ou na morte do sequestrador?

São perguntas. Perguntas cansadas.

Por que o governador bate-cartão no BOPE? Alguém já viu ele entrando em uma escola de favela, tentando pensar um orçamento melhor para a comunidade?

A verdade é que está todo mundo cansado da violência, mas também cansado de perguntar, de questionar, de desnaturalizar a pobreza. Isso é muito perigoso. É assim que chegamos em cenas patéticas, ao mesmo tempo tristes e ridículas, como a de hoje (terça-feira, 20).

Como é produzido um sequestrador? Por quem, nós sabemos: pelo Estado. Por gente como o governador, um bárbaro desengonçado que administra a miséria, mantém a fábrica de produzir sequestradores em pleno funcionamento, bárbaros que naturalizam sua triste visão do mundo e arrastam a sociedade inteira para a barbárie.

Sua solução para o estado das coisas? Mais barbárie! É cansativo.

Parece que temos muito para dizer e, ao mesmo tempo, nada. Repetimos nos últimos 20 anos: desigualdade social produz violência. Os administradores do Estado, cãezinhos dos ricos, não podem mexer na desigualdade e então investem em violência contra violência.

O resultado? Um país triste em que todos os dias se comemora o assassinato de pretos e pobres na televisão.

Como se produz um sniper? Com um governador desengonçado comemorando um gol numa cena de crime. Como se produz um sequestrador? Com um governador desengonçado comemorando um gol numa cena de crime.

Isso é o melhor que nós podemos ser como sociedade, ou já desistimos de tentar? Como impedir que um menino de periferia se transforme em um sequestrador?

Como se produz um sequestrador? Como assassiná-lo, nós já sabemos.


Douglas Belchior é ativista do movimento negro e da educação popular, coordenador do Uneafro e integrante do Fundo Brasil Direitos Humanos

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