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O agro acima de tudo: modelo que nos condena à violência social e predação de recursos naturais

Se o PIB brasileiro vai se alimentar cada vez mais de commodities, como pretende o acordo Mercosul-UE, teremos cada vez mais desmatamento, veneno na comida e violência no campo

pixabay
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Agronegócio pode sair fortalecido com o acordo Mercosul-UE, mas a um custo alto para a tecnologia e indústria no país

Agência Pública – Têm razão os agricultores alemães e franceses em questionar o acordo Mercosul-União Europeia alegando não confiar nas políticas ambientais do governo Bolsonaro. Só um louco confiaria. O curioso é o silêncio dos operários por aqui, quando se percebe o impacto negativo que o acordo representa para o setor industrial, como observou na quinta-feira (4) em sua coluna a economista Laura Carvalho. “Pode ser a pá de cal no que havia sobrado da indústria brasileira”, diz. “E, o que é pior, para as pretensões de desenvolver novos setores de alto valor agregado e maior conteúdo tecnológico no século 21”, adverte Carvalho.

Na terra do agronegócio, o acordo é celebrado como tento. É exatamente no setor que está a vantagem brasileira de cerca de 2 bilhões de euros em relação aos europeus (que em contrapartida vão lucrar 9 bilhões de euros com os produtos industriais). Daqui, vão sair principalmente a carne, a gordura e a soja. E com uma “vantagem competitiva”: legislação ambiental “flexibilizada” – do uso de agrotóxicos ao impacto das atividades sobre áreas de preservação, águas e comunidades tradicionais.

O maior dano para todos nós, além do golpe para o desenvolvimento tecnológico brasileiro, é o reforço e a ampliação de um modelo econômico que nos condena à violência social e à predação de recursos naturais. Para além do prejuízo ambiental inerente à monocultura, pecuária e mineração, por aqui o mal é agravado pela falta de proteção social e legal às vítimas da ação de empresas inescrupulosas, fazendeiros escravagistas e quadrilhas de madeireiros e grileiros. Atores fortalecidos pelo atual governo, que promove e defende o desmatamento, reprime a fiscalização ambiental e pode jogar fora 3 bilhões de dólares do Fundo Amazônia, investidos principalmente em projetos de desenvolvimento auto-sustentável – a alternativa à destruição e à miséria – para entregar a Amazônia a seus aliados políticos.

Se o PIB brasileiro vai se alimentar cada vez mais de commodities, teremos cada vez mais desmatamento, veneno na comida, e violência no campo (alavancada pelo decreto de liberação de posse de armas em propriedades rurais). Não vamos nos iludir com as propagandas do agronegócio. Sua cara por aqui é aquela que nessa semana apareceu na reportagem feita por jornalistas brasileiros (Repórter Brasil) e colegas de veículos ingleses (The Guardian e Bureau of Investigative Journalism) sobre a compra de gado ilegal pela JBS em uma fazenda condenada por desmatamento. A mesma fazenda – que pertence ao grupo do banqueiro Daniel Dantas – já havia sido flagrada por uso de mão de obra em condições análogas à escrava em 2012.

Não são todos, nem o Brasil. É esse pessoal que vai lucrar com o acordo Mercosul-UE.