MARCIO POCHMANN

São Paulo: de locomotiva do país a ‘buraco negro’ da decadência nacional

Maioria dos governadores e parlamentares paulistas aceitou a triste sina da submissão do estado e seu apequenamento no cenário político e econômico

Divulgação/CNI
Divulgação/CNI
São Paulo e demais estados abriram mão de instrumentos de políticas públicas que lhes permitiam atuar no desenvolvimento econômico

A safra de governadores eleitos em 2018 e a bancada de senadores detêm inédita oportunidade de protagonizar as bases do novo federalismo. Para tanto, precisariam romper com a trajetória de submissão ao governo federal deixada por seus antecessores desde a década de 1990, quando o estrangulamento financeiro da República Federativa do Brasil foi impulsionado, impondo a rotina de subordinação dos governadores e senadores que levou à falência atual do setor público estadual.

Até o começo dos anos de 1990, os governadores detinham inegável importância no interior do sistema federativo nacional, com importante capacidade de interferência na realidade regional. Ademais de controlar suas bancadas de deputados e senadores, os governadores detinham instrumentos de políticas públicas que lhes permitiam atuar no desenvolvimento dos próprios estados por meio de bancos públicos e rede de instituições conectadas com o ciclo da industrialização nacional.

Mas isso, todavia, sofreu forte inflexão com a ascensão do neoliberalismo durante a Era dos Fernandos (Collor, 1990-1992 e Cardoso, 1995-2002). Com a inserção passiva e subordinada na globalização protagonizada pelos governos Collor e Cardoso, o aparato estatal desenvolvimentista foi desmantelado, enquanto a desindustrialização precoce foi desencadeada, sem que os governos do PT conseguissem, posteriormente, interrompê-la.

Ciclo da industrialização

Em função disso, o estado de São Paulo que desde o último quarto do século 19 havia se transformado na locomotiva do Brasil pela liderança na economia cafeeira e no protagonismo durante o ciclo da industrialização nacional (1930 e 1980), converteu-se no “buraco negro” da decadência nacional. Desde os anos de 1990 que seus governadores e parlamentares, em sua maioria, aceitaram a triste sina da submissão e o apequenamento no cenário político e econômico do país.

Na penúria imposta pela recessão econômica do governo Collor, com superinflação e abertura comercial que dizimou parte do setor produtivo e as finanças dos estados, os governadores terminaram sendo compelidos a aceitarem o “acordo do endividamento” com o Governo Federal. Assim, em 1993 e, sobretudo, em 1997, mais de 180 municípios e 23 estados transferiram para a União as suas dívidas com o mercado financeiro, garantindo a solvência de bancos e simultaneamente a asfixia de recursos no setor público subnacional.

Isso porque os governos estaduais passaram a dever ao Tesouro Nacional, com contratos submetidos a juros compostos, corrigidos pela Selic. Por essas condições, os estados e municípios que já tinham pagado acumuladamente em dez anos o equivalente a quase três vezes mais o montante da dívida mobiliária original de 1997, ainda deviam valor correspondente a cerca de quatro vezes mais (R$ 111 bilhões a preços de dezembro de 2017).

Plano Mansueto

Na tentativa de honrar o acordo draconiano com o governo federal, ademais da Lei de Responsabilidade Fiscal e retenção de repasses e contribuições federais, os governadores desconstruíram o aparato desenvolvimentista subnacional através da privatização de bancos públicos e do desmonte da rede serviços públicos essenciais (saúde, educação, segurança e infraestrutura). Mesmo tendo pagado várias vezes o montante original da dívida com o Governo Federal, os estados são detentores de créditos estimados em mais de R$ 600 bilhões devidos à Lei Kandir e mais outro montante expressivo de recursos relativos à Desvinculação das Receitas da União (DRU) não repassados aos governadores pela União.

Ao invés da medíocre posição de devedores imposta aos estados por equivocada narrativa do Governo Federal e propalada pelos porta-vozes do receituário neoliberal, os governadores e senadores poderiam assumir o protagonismo soberano do encontro das contas públicas. Por serem credores da União em mais de um trilhão de reais (créditos da Lei Kandir, direitos da DRU e dívida já paga em quase três vezes mais o seu montante original), a posição do federalismo poderia ser perfeitamente outro.

Mas o que vem prevalecendo é o encaminhamento da privatização do sistema de aposentadoria e pensão federal e nos estados e municípios, acrescido ainda do Plano Mansueto, que concede continuidade e aprofunda o sistema de extorsão de recursos pela União. Com o receituário neoliberal em curso, em vez de um novo horizonte ao federalismo brasileiro, prevalece o estrangulamento orçamentário estrutural dos entes subnacionais que mantém tanto governadores e prefeitos como senadores e deputados de plantão na condição de meros demandantes das esmolas federais. E gestores do descarte de sobrantes e indesejados no processo de decadência da nação.