Eleições 2018

‘Fake news’ e entrevista de Bolsonaro na Record ‘maculam a disputa eleitoral´

Opinião é do advogado Fernando Garcia Carvalho do Amaral, especialista em Direito eleitoral. Para ele, entrevistas 'criaram estados emocionais importantes para desequilibrar o resultado eleitoral'

Divulgação/Record

Desde 1996 atuando em eleições, advogado diz que situação é grave. “Há a sensação do peso do arbítrio, da nossa impotência”

São Paulo – O advogado e especialista em Direito eleitoral Fernando Garcia Carvalho do Amaral, desde 1996 atuando nas mais diversas eleições para vereador, deputado estadual, deputado federal, prefeito, senador, governador e presidente, fez um desabafo nesta sexta-feira (5), em rede social, ao afirmar que nunca passou por um processo eleitoral “tão sujo”. “Infelizmente a justiça eleitoral não tem tido força, capacidade e, temo, talvez, vontade de enfrentar as duras questões que estão sendo colocadas neste processo. Existe uma questão central nesta disputa, a do chorume produzido em redes sociais e no WhatsApp, que restou incontrolada e, de certa forma, autorizada”, analisou.

Além da fábrica de fake news que prolifera por parte dos apoiadores do candidato Jair Bolsonaro (PSL), o advogado destaca “a quebra de um princípio angular do sistema eleitoral brasileiro” ao se referir às entrevistas exclusivas produzidas pela Rede Record e a Rede Bandeirantes com o candidato líder das pesquisas de intenção de voto.

“Até ontem as emissoras de televisão e rádio, concessões públicas, nunca foram explícitas no apoio a qualquer candidato como a Rede Record e a Rede Bandeirantes foram nesta reta final da eleição. Sim, existiram sempre apoios velados, sim, tendenciosos, sim, coberturas desiguais. Mas num limite, defendidos por um véu que garantia no mínimo que uma emissora tivesse a obrigação legal de entrevistar e dar espaços para todos os candidatos da contenda”, explicou Fernando Amaral.

Para ele, as entrevistas de Bolsonaro nas TVs Bandeirantes e Record são “flagrantes, notórios, acintosos, desbundantes manifestações de quebra de isonomia e de exposição”. E vai além, ponderando que nenhum outro candidato teve a chance de obter a mesma exposição, principalmente em ‘entrevistas’ amistosas.

“Tais entrevistas interferem no resultado final da eleição. Criaram estados emocionais suficientemente importantes para desequilibrar o resultado eleitoral, macularam, eivaram de vicio a disputa eleitoral. Sem contraditórios”, afirma o especialista em direito eleitoral.

Leia a íntegra do depoimento:

“Eu já trabalhei em eleições difíceis, disputadas, indecifráveis, renhidas. Já tive momentos de muita tensão, de muita pressão, muita busca e apreensão de materiais supostamente ofensivos, muita impugnação de candidatura, muitas defesas consistentes, muitas vitórias, derrotas também.

Já fiz eleição de conselho tutelar, de sindicato, de associação de bairro, de vereador, de deputado estadual, deputado federal, prefeito, senador, governador e até uma presidencial, que muito me orgulha, a do Plinio em 2010.

Enfim….

Agora vem o desabafo: eu nunca vivi um processo eleitoral tão sujo, hipocritamente “disputado”. Infelizmente a justiça eleitoral não tem tido força, capacidade e, temo, talvez, vontade de enfrentar as duras questões que estão sendo colocadas neste processo. Existe uma questão central nesta disputa, a do chorume produzido em redes sociais e no WhatsApp, que restou incontrolada e, de certa forma, autorizada.

E há nesta reta final, pela primeira vez desde as eleições de 1989, a quebra de um princípio angular do sistema eleitoral brasileiro: até ontem as emissoras de televisão e rádio, concessões públicas, nunca foram explícitas no apoio a qualquer candidato como a Rede Record e a Rede Bandeirantes foram nesta reta final da eleição. Sim, existiram sempre apoios velados, sim, tendenciosos, sim, coberturas desiguais. Mas num limite, defendidos por um véu que garantia no mínimo que uma emissora tivesse a obrigação legal de entrevistar e dar espaços para todos os candidatos da contenda.

As entrevistas “exclusivas” de Jair Bolsonaro nas emissoras Bandeirantes e Record, são flagrantes, notórios, acintosos, desbundantes manifestações de quebra de isonomia e de exposição. A nenhum outro candidato foi dada a chance de mesma exposição e, nenhum outro candidato teve “entrevistas” tão ridiculamente amistosas, com quase dó do candidato recém saído do hospital.

Tais entrevistas interferem no resultado final da eleição. Criaram estados emocionais suficientemente importantes para desequilibrar o resultado eleitoral, macularam, eivaram de vicio a disputa eleitoral. Sem contraditórios.

O judiciário? Parece não querer enfrentar com a disposição necessária a imposição legal das consequências deste apoio: a cassação do registro ou a impugnação da própria candidatura.

E não o faz, porque o candidato já a ameaçou expressamente: “não vou aceitar outro resultado que não for a minha vitória”, disse Bolsonaro a um feliz e festivo Datena.

É grave? É. Mas tem esse desalento, que vai nos matando aos poucos. Há a sensação do peso do arbítrio, da nossa impotência.”