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Facebook não é ‘justiceiro da esquerda’, só está tentando salvar a própria imagem

A derrubada de quase 300 páginas e perfis ligados ao MBL foi eficiente para aliviar a barra do Facebook. A esquerda brasileira aplaudiu Zuckerberg, se esquecendo que por anos ele ajudou a espalhar desinformação

CC 2.0 C Flanigan/WireImage – Lúcio Bernardo Jr/Câmara dos Deputados

Zuckerberg e o MBL: contribuições para instabilidade política nos Estados Unidos pelo mega empresário encontra tentativa de repetição no Brasil

The Intercept Brasil – Escolado com as eleições americanas, o Facebook tirou do ar nesta quarta-feira (25) quase 300 páginas e perfis de direita – uma rede ligada ao MBL, o Movimento Brasil Livre. Segundo a rede social, as páginas e perfis “faziam parte de uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”.

Foram desativadas 196 páginas e 87 perfis. Entre eles estão notórias divulgadoras de fake news e do noticiário dos novos liberais brasileiros, como o Jornalivre, Diário Nacional e página do Movimento Brasil 200 – aquela mesma do movimento liderado pelo presidente da Riachuelo Flávio Rocha. A grande quantidade de páginas também revela uma rede organizada, criada para atuar nas eleições, que acontecem daqui a pouco mais de dois meses.

O Monitor do Debate Político no Meio Digital, uma iniciativa de pesquisadores de USP que acompanha páginas de direita e esquerda no Facebook desde 2016, tem pouco mais de 20 páginas de direita mapeadas – um número muito menor do que a rede derrubada pelo Facebook. “Essa desproporção entre o que estava em atividade e o que caiu agora nos sugere que o Facebook identificou a criação de uma rede de páginas novas que provavelmente seriam usadas no período eleitoral”, escreveram os pesquisadores.

As páginas atualmente monitoradas pelo projeto somavam 126 postagens por dia, com 150 milhões de interações por ano. Dá para imaginar o impacto de uma rede dez vezes maior, o que sugere que ela nasceu para fazer barulho no período pré-eleitoral.

Não seria novidade: a criação de uma rede para espalhar mentiras ou distorções foi a mesma estratégia de parte da direita americana, que ajudou a impulsionar o então candidato à presidência Donald Trump. E é típico dos conservadores brasileiros copiarem as estratégias questionáveis da direita americana. No Brasil, as redes de fake news agem de forma articulada e recebem, inclusive, dinheiro público por meio de partidos políticos.

“Justiceiro da esquerda”

Um dia antes de derrubar as páginas, o Facebook publicou no Brasil um resumo detalhado de seus esforços para as eleições por aqui, consideradas uma “prioridade” para a rede social. O nome do comunicado deixa clara a postura da empresa. Avisou que agiria contra “pessoas mal-intencionadas”. No dia seguinte, as páginas caíram. A justificativa do Facebook é que os conteúdos eram relacionados a contas falsas, participavam de comportamentos não autênticos coordenados e enganavam “as pessoas na tentativa de incentivar compartilhamentos, curtidas ou cliques”.

A derrubada foi eficiente para aliviar a barra do Facebook. A esquerda brasileira aplaudiu Zuckerberg, se esquecendo do papel omisso que a rede social teve por anos ajudando a espalhar desinformação. O Facebook sempre disse ser contrário à censura e, por muito tempo, manteve uma postura permissiva com relação a conteúdos ofensivos. Tem a ver com dinheiro: quanto mais engajamento, melhor.

Na semana passada, a rede de TV inglesa Channel 4 publicou um documentário que mostra como a rede protege páginas populares que publicam conteúdos ofensivos que violam as próprias regras do Facebook. Um repórter infiltrado numa empresa terceirizada que faz a moderação de posts comprovou que a rede de Zuckerberg pode aliviar as punições de fanpages que geram muitas interações. As maiores páginas que representam a nova direita brasileira continuam no ar, com seguidores na casa dos milhões.

A derrubada, porém, foi eficiente para aliviar a barra do Facebook. E mostra o esforço que Zuckerberg e sua equipe têm feito para tentar minimizar seu papel em tragédias eleitorais como a que aconteceu nos EUA – um movimento esperto, midiático, que não muda seu modelo lucrativo.

Enquanto a esquerda aplaudia o Facebook, a direita se contorcia em retóricas para posar de vítima de censura. Flávio Rocha classificou a derrubada da página como “uma violência”. E colocou o Facebook como carrasco totalitário: “nem no tempo da ditadura se verificava tamanho absurdo”, escreveu no Twitter.

O MBL fez um comunicado assumindo que várias páginas derrubadas eram ligadas ao movimento e prometeu tomar medidas que gerem “consequências exemplares” ao Facebook. O movimento chegou a publicar um post fazendo a falsa associação entre a queda do valor das ações da empresa na Bolsa de Nova York e a notícia no Brasil – a perda de valor, na verdade, está ligada ao balanço da empresa, divulgado por coincidência hoje, que frustrou investidores.

O procurador Aílton Benedito, do MPF de Goiás – aquele que ficou famoso com um tuíte em que dizia que o nazismo é uma ideologia de esquerda – enviou um ofício ao Facebook pedindo explicações sobre as remoções. A rede social tem dois dias para enviar a ele a lista de páginas e perfis derrubados e os motivos.

Mais longe ainda foi o Jornalivre, que cravou que a ação do Facebook foi feita para “proteger partidos de extrema-esquerda nas eleições deste ano”. A narrativa de tentar colar Zuckerberg à esquerda brasileira foi, literalmente, importada da direita americana – e não passa de fake news.

A própria esquerda brasileira também reclama de censura na rede social.

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