Emir Sader

Resultado no Equador pode trazer novo ciclo de superação do neoliberalismo no continente

Vitória de Lenín Moreno termina com a cantilena de “fim de ciclo dos governos progressistas”. Mas não basta para superar a contraofensiva da direita latino-americana. É preciso avaliar que fatores a sustentam

Carlos Silva/Presidencia de la República

Lenín Moreno – apoiado pelo atual presidente Rafael Correa – venceu com 51% dos votos válidos

O triunfo de Lenín Moreno, derrotando pela segunda vez consecutiva o maior banqueiro do Equador, Guillermo Lasso, encerra a temporada de vitorias da direita latino-americana e termina com a cantilena de “fim de ciclo dos governos progressistas” no continente. O povo equatoriano, mesmo sob uma sórdida campanha dos meios de comunicação para manchar a imagem de Rafael Correa e do seu governo, soube distinguir que entre os dois caminhos – continuidade da transformações realizadas pelo governo da Aliança Pais ou retorno neoliberal pelas mãos de um banqueiro –, escolheu a Revolução Cidadã como o melhor caminho para o país.

Quando, nos segundos turnos ficam claras as opções entre o modelo neoliberal e alternativas antineoliberais, o povo não se equivoca e se decide por estas. A exposição da massa de realizações do governo de Rafael Correa desde 2007, em todos os planos, se compararam às promessas da direita que, assim como na Argentina e no Brasil, se reduzem a cruéis restaurações neoliberais se chegam ao governo – por eleição ou por golpe.

Mesmo se Lasso tivesse vencido, não teria nada do que se pudesse chamar de “fim de ciclo”, porque se instauraria também no Equador o governos dos bancos, do capital financeiro, da especulação financeira. Seria uma restauração neoliberal, como a que ocorre hoje na Argentina e no Brasil. O que interessa é que o Equador seguirá no caminho aberto por Correa quando há 10 anos anunciou que se terminava a longa noite do neoliberalismo e se passava de um tempo de mudança para uma mudança de tempo.

Ficam, com isso, atrás, a derrota parlamentar na Venezuela, a vitória eleitoral na Argentina, o revés de Evo Morales no referendo na Bolívia, o golpe contra Dilma no Brasil? Não, não basta a vitória de Lenín Moreno para superar a contraofensiva da direita latino-americana. Os fatores que levaram a reveses nos outros países estiveram presentes no Equador, mas não foram suficientes – por uma estreita margem – para derrotar o governo progressista.

É preciso fazer um balanço dos fatores que levaram a que as vitórias espetaculares no primeiro turno com Rafael Correa se transformassem em uma vitória por uma margem estreita agora. Os balanços não são simples, se misturam mudanças na conjuntura internacional, mudanças na estratégia das direitas, assim como erros dos próprios governos. Fazer o balanço desde uma vitória e desde o governo é uma enorme vantagem, porque se dá em condições de corrigir erros e fazer adequações, colocando-as em prática.

O tão mencionado fim de ciclo se choca também com o esgotamento rápido do impulso dos governos de Macri e de Temer, recolocando o enfrentamento entre neoliberalismo e o anti-neoliberalismo em novas condições. Já não se tem de comparar o que  fizeram os governos progressistas com o realizado pelos governos neoliberais nos anos 1990, mas a comparação é com a própria realidade contemporânea, que permite aos que não haviam se dado conta entender que as melhorias que tiveram os países foram fruto de decisões políticas de governos progressistas que, uma vez mudados, os fazem perder os direitos conquistados.

No Equador voltou a ficar claro, nesse caso de forma ainda mais cristalina, que a condição de alternativa aos governos pós-neoliberais favorece a direita e não a ultra-esquerda. Mais que isso, a ultra-esquerda, frente a essas alternativas, ou desaparece simplesmente ou, pior, apoia a direita, mesmo que seja ao banqueiro mais rico do pais. “Melhor um banqueiro que a continuidade da ditadura”, proclamaram setores do movimento indígena que tinham ficado no governo direitista de Lucio Gutiérrez (2003-2005), mesmo depois que ele deu a virada pró Estados Unidos.

Intelectuais que assinaram documento de crítica ao governo de Rafael Correa em plena campanha eleitoral, favorecendo a direita, pretendem dar lições à esquerda da América Latina. O candidato de uma esquerda supostamente alternativa à Aliança Pais se pronunciou, na reta final, por Lasso.

O Equador tem uma brecada na virada à direita em países com governos antineoliberaias. O esgotamento prematuro dos governos de Macri e de Temer coloca a possibilidade real de que a esquerda volte a dirigir a Argentina e o Brasil – aqui com a perspectiva concreta do retorno do Lula. Quem quer que ganhe nas eleições presidenciais do México em 2018, se verá obrigado a se voltar para a America Latina, para resistir à ofensiva protecionista do governo de Trump, recompondo, de maneira ainda mais ampla, os processos de integração latino-americana.

O fim de ciclo não era fim de ciclo, era o fim da primeira onda do ciclo anti-neoliberal, que gera agora condições de um segundo e definitivo ciclo de superação do neoliberalismo na América Latina.