golpe em curso

A contrarreforma de Temer e das classes hegemônicas

Conspiração dos conservadores busca dominar o poder político, e as eleições de 2018 agora são um de seus objetivos para consolidar o país como 'província' agroindustrial do império norte-americano

Beto Barata/PR

Temer: apoio das classes hegemônicas e de seus aliados no Judiciário, Legislativo, MP e Polícia Federal

1. De 1500 a 2003, as classes hegemônicas brasileiras, estreitamente vinculadas às classes hegemônicas das metrópoles coloniais, hoje às classes hegemônicas dos Estados Unidos, organizaram a economia, a sociedade, o sistema político e o Estado brasileiros de acordo com seus interesses e em seu benefício.

2. A extrema concentração de riqueza e de renda, a situação de pobreza de grande parte da população, as condições de saúde, alimentação, saneamento, educação, transporte, segurança e cultura da enorme maioria demonstram cabalmente que a organização da sociedade feita pelas classes hegemônicas não beneficiou e não beneficia a esmagadora maioria do povo brasileiro.

3. Em 2003, com a vitória, de forma democrática e legítima, do Partido dos Trabalhadores e de seu candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, torneiro mecânico e líder sindical, essas classes hegemônicas perderam parte, apenas parte, do controle que exerciam sobre a sociedade, a economia e o Estado brasileiros.

4. O Presidente Lula desenvolveu programas sociais de grande alcance e impacto; criou melhores condições de competitividade para as empresas de capital nacional; ampliou o sistema educacional em termos de número de estudantes e de condições de acesso; ampliou o sistema de saúde por meio do SUS, da Farmácia Popular e outros programas; expandiu as exportações; fortaleceu a agroindústria e a agricultura familiar; manteve sob controle a inflação; ampliou o crédito de forma notável; fortaleceu os programas estratégicos das Forças Armadas; reduziu a vulnerabilidade do país ampliando as reservas monetárias; fez uma política externa altiva e ativa, expandindo as relações políticas e econômicas com todos os Estados, desenvolvidos e subdesenvolvidos, e promoveu a integração sul-americana.

5. O Presidente Lula terminou seu segundo mandato em 2010, com 87% de aprovação popular e elegeu sua sucessora, Dilma Rousseff.

6. Desde então se iniciou uma conspiração das classes hegemônicas com o objetivo de recuperar totalmente, em 2014 ou em 2018, o Poder político e econômico.

7. Desta conspiração participaram políticos envolvidos em denúncias de corrupção; os partidos de oposição, inconformados com a derrota em 2014; políticos conservadores; o próprio vice-presidente Michel Temer; os meios de comunicação, em especial o sistema Globo, com suas dezenas de estações de televisão, de rádios, jornais e revistas; o Poder Judiciário, desde o Juiz Sergio Moro, disposto a praticar atos ilegais de toda ordem, aos Ministros do Supremo que, podendo e devendo, não o disciplinaram; os interesses estrangeiros que viram, nas dificuldades econômicas e políticas, a oportunidade de reverter políticas de defesa das empresas nacionais para promover a redução do Estado e a abertura aos bens e capitais estrangeiros, inclusive para explorar seu maior patrimônio natural que é o petróleo do pré-sal; do mercado financeiro, isto é, dos grandes investidores, milionários e rentistas, temerosos de uma política de redução de taxas de juros; das associações de empresários como Fiesp, Febraban, CNI, CNA; dos defensores de políticas de austeridade que visam ao equilíbrio fiscal pela redução do Estado, dos programas sociais, dos investimentos do Estado, dos direitos trabalhistas e previdenciários e, finalmente, de economistas e jornalistas, intérpretes, porta-vozes e beneficiários desses interesses.

8. A partir de 2010, e em especial a partir de 2014, a estratégia das classes hegemônicas para recuperar o poder se desenvolveu em várias etapas:

• fazer o governo adotar o programa econômico e social do “mercado”, isto é, da minoria multimilionária e de seus associados externos;

• ocupar os cargos de direção da administração pública (Ministérios, Secretarias Executivas, agências reguladoras) com representantes do “mercado”;

• enfraquecer política e economicamente o governo;

• enfraquecer o PT e os partidos progressistas com vistas às eleições de 2018;

• aprovar leis de interesse do “mercado”;

• e, se nada disso ocorrer, fazer o governo “sangrar” e aí, então, se necessário e possível, exigir e promover o impeachment da presidente.

9. Entre a classe política, 367 deputados e 61 senadores, muitos deles acusados de corrupção, representantes dos setores mais conservadores, dos indivíduos (e empresas) mais ricos em uma das sociedades mais desiguais do mundo e dos interesses estrangeiros mais vorazes, anularam o resultado de eleições em que 54 milhões de brasileiros escolheram a presidente Dilma Rousseff e, assim, interromperam a execução de um projeto de desenvolvimento social, econômico e político do Brasil que se iniciara em 2003.

10. Derrubado o governo Dilma, de forma jurídico-processual e com a conivência do Judiciário, se inicia a grande reforma econômica e política de Temer, em realidade uma contrarreforma, com inspiração e amplo apoio das classes hegemônicas e de seus aliados no Poder Judiciário, no Legislativo, no Ministério Público e na Polícia Federal.

11. A contrarreforma econômica conservadora de Temer, como representante e executivo das classes hegemônicas brasileiras, em estreita sintonia com as classes hegemônicas dos países desenvolvidos, em especial dos Estados Unidos, significa a adoção definitiva das políticas preconizadas pelo Consenso de Washington:

• abrir a economia do ponto de vista comercial e financeiro, unilateralmente e sem contrapartida;

• privatizar (desnacionalizar) as empresas estatais;

• desregulamentar (ou regulamentar de forma favorável ao capital) as atividades econômicas;

• manter uma política tributária favorável (regressiva) ao capital nacional e estrangeiro;

• desestimular o desenvolvimento industrial e desarticular as empresas nacionais de maior porte, estatais ou privadas, a começar pela Petrobras;

• reduzir o Estado ao mínimo e aniquilar sua capacidade de regulamentar a atividade econômica e de proteger os trabalhadores e os excluídos;

• “flexibilizar”, “modernizar”, o mercado de trabalho em favor do capital;

• consagrar essas políticas na legislação, de preferência constitucional.

12. Os principais instrumentos para a execução dessas políticas são:

• PEC 241, que se tornou PEC 55 no Senado e congela, durante vinte anos, de forma absolutamente antissocial, antidemocrática e inconstitucional, as despesas primárias do Estado e libera totalmente as despesas financeiras, isto é, o pagamento dos juros e da amortização da dívida pública;

• a reforma da Previdência e sua privatização;

• a revisão da legislação trabalhista em benefício do capital, isto é, das empresas;

• a desvinculação geral de despesas do Estado em relação ao salário mínimo;

• a utilização do BNDES para financiar as privatizações e a restrição de crédito para a empresa brasileira.

13. Este programa econômico, de extraordinária amplitude e profundidade, vem sendo executado:

• sem mandato popular;

• com a conivência do Judiciário;

• com a conivência da maioria do Legislativo, em parte devido à sua convicção conservadora, em parte corrupto e em parte “aliciado” pelo governo Temer.

14. Este programa conservador e ultraneoliberal, que dá continuidade ao programa iniciado pelos governos Fernando Collor e depois Fernando Henrique, que fracassaram, será consagrado, eventualmente, por acordos de livre comércio com as Grandes Potências industrializadas, a começar com a União Europeia, a que se seguirão acordos com os Estados Unidos e o Japão, e também com a China.

15. Com a execução dos programas da contrarreforma de Temer e com sua consolidação internacional por meio de eventuais acordos de “livre comércio”, o Brasil se consagraria definitivamente como o “celeiro do mundo” e uma “província” agroindustrial do império norte-americano e das filiais de megaempresas multinacionais instaladas no Brasil para exploração de seu mercado interno e do mercado regional.

16. Resta às classes hegemônicas um obstáculo importante a vencer para garantir que este conjunto de políticas econômicas e sociais não venha a ser derrotado e derrubado pela vontade popular.

17. Este obstáculo seria a possibilidade de eventual vitória nas eleições presidenciais de 2018 de um candidato progressista, nacionalista e independente.

18. Assim, pretendem Temer, seus mestres e seus acólitos:

• acelerar a aprovação de seus projetos econômicos e sociais no Legislativo;

• desmoralizar e fragmentar os partidos de esquerda;

• demonizar e desmoralizar os líderes de esquerda;

• despolitizar a população;

• criminalizar os movimentos sociais;

• conter a insatisfação popular por meio de métodos de violenta repressão policial e eventualmente adotar o voto facultativo, o parlamentarismo e o voto distrital.

19. Existe apenas um candidato viável das forças progressistas a Presidente da República, que é Luiz Inácio Lula da Silva.

20. Esta é a razão do ataque quotidiano e incessante dos órgãos da grande mídia a Lula, com a orquestração cuidadosa dos vazamentos de delações não comprovadas, e das ações espetaculosas da polícia, permitidas e promovidas pelo juiz Sergio Moro e pelos procuradores do Ministério Público de Curitiba, com a conivência do STF em conjunto e de cada um de seus ministros.

21. Somente a união das forças progressistas, nacionalistas e de esquerda da sociedade brasileira; dos líderes sindicais e dos movimentos sociais; dos estudantes e suas organizações; dos intelectuais, dos cientistas, dos professores, dos médicos; dos militares nacionalistas e progressistas; dos artistas e dos empresários nacionais, em defesa do Presidente Lula, da democracia e de um programa de desenvolvimento econômico, social e político do Brasil poderá fazer com que a sociedade brasileira, a principal interessada e vitima desta conspiração das classes hegemônicas, de seus associados estrangeiros e de seus representantes, seja ouvida e que este processo seja barrado no Congresso Nacional e no Judiciário.

* Samuel Pinheiro Guimarães é diplomata brasileiro e mestre em Economia pela Universidade de Boston