nova velha era

O presidencialismo de coalizão acabou?

É inegável que a nova coalizão de forças que chega ao comando do país com Temer situa-se à direita do projeto petista e deverá impor ao país uma duríssima agenda nas áreas econômica e social

José Cruz/Agência Brasil

Temer se alia com PSDB e do DEM, ambos derrotados nas urnas nas quatro últimas eleições presidenciais

Definida a votação no Senado, que se posicionou em sua maioria pela admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, inicia-se no dia de hoje o “governo” de Michel Temer. Muitos já questionam a legitimidade do peemedebista, que assumirá o Palácio do Planalto sem ter tido um voto popular sequer para ocupar a titularidade do país, mas sim pela via indireta, a partir da construção nos últimos meses de uma maioria política no Congresso Nacional favorável à queda de Dilma a partir do controverso pretexto das pedaladas fiscais ou do ainda mais subjetivo julgamento do tal “conjunto da obra”.

Apesar do processo conciliador e do governo moderado promovidos pelo Partido dos Trabalhadores durante seus 13 anos no poder, incluindo como aliados no Parlamento e na própria gestão grupos políticos que hoje o defenestram da Presidência da República, é inegável que a nova coalizão de forças que chega ao comando do país com Temer situa-se à direita do projeto petista e deverá impor ao país, não sem enfrentar resistência, uma duríssima agenda nas áreas econômica, social e dos costumes.

Curioso em meio a toda essa movimentação é observar as assertivas, talvez um tanto precipitadas, de que o presidencialismo de coalizão acabou. Oras, Temer vai ao poder anunciando um ministério provavelmente formado por conhecidas e velhas figuras, muitas das quais inclusive estiveram em algum momento com Lula e Dilma, como Romero Jucá, Eliseu Padilha, Gilberto Kassab, Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. Nem chega a surpreender que senadores que foram ministros da presidente, como Edison Lobão e Garibaldi Alves Filho, tenham votado pelo seu afastamento e provavelmente já estejam sinalizando apoio ao novo ocupante do Palácio do Planalto. E mais: com Temer repete-se boa parte da sopa de letrinhas partidária que habita a Esplanada do Ministérios há anos. Além do seu PMDB estarão no comando das principais pastas, bem como secretarias, autarquias e estatais e ocupando milhares de cargos na estrutura do governo federal, siglas como PP, PSD, PR, PRB e diversas outras.

Na prática, de diferente mesmo, está a saída do PT e do PCdoB e a chegada ao governo do PSDB e do DEM, ambos derrotados nas urnas nas quatro últimas eleições presidenciais. A própria grande imprensa, majoritariamente favorável à derrubada de Dilma e à instituição do “governo” Temer, anunciou várias vezes nos últimos dias que o novo mandatário teria enfrentado dificuldades em cortar ministérios e extinguir cargos na máquina pública. E isso provavelmente é verdade. Mais do que seus antecessores, que chegaram ao poder legitimados por dezenas de milhões de votos, é o “governo” Temer, que já nasce tão contestado a partir de um processo político / jurídico no mínimo questionável, quem mais necessitará, para ter um mínimo de viabilidade política, da velhíssima prática de loteamento de nacos da máquina pública pomposamente chamada de presidencialismo de coalizão.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

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