retrocessos

O desmonte do desmonte por um Congresso com sentimento de culpa

Não podemos nos limitar a resistir. É preciso resistir e propor simultaneamente, pois a sociedade brasileira precisa ter um horizonte de reconstituição política, econômica e social

José Cruz/Agência Brasil

Congresso não tem nenhuma relação de lealdade com Temer, mas, sim, com suas perspectivas eleitorais

Um ministro anuncia que vai propor a redução da idade de aposentadoria. Outro que vai ser universalizado o regime de terceirização. Outro ainda que o Bolsa Família tem prazo, ou seja, deve ser programada para acabar. O ministro das Relações Exteriores ainda não disse o que pretende propor para nossas relações com os BRICs. O da Fazenda fala num novo ajuste fiscal. Numa palavra, começou o desmonte dos programas sociais introduzidos no governo Lula, em sua época celebrados pelo mundo inteiro como um grande avanço social.

É fácil prever o que vai acontecer em um futuro próximo. Este Congresso, ao contrário do que se pode pensar, não tem nenhuma relação de lealdade com o governo Temer. Tem lealdade, sim, com suas perspectivas eleitorais. Estas estão prejudicadas pelo comportamento abjeto e venal na decisão do processo de impeachment da Câmara. Os deputados e deputadas tenderão a purgar seu complexo de culpa recusando-se a votar projetos de retrocesso na área social, correndo atrás do prejuízo eleitoral.

Temer, com seu governo de direita, provará do fel político que a esquerda, principalmente Dilma, provou nas relações com os congressistas. O presidente no cargo tem a ilusão de que dando um cargo importante ao representante de um partido garante o apoio de todo o partido. É um engodo. Os parlamentares só são leais ao governo quando eles próprios são contemplados com cargos. Isso não resolve o problema do apoio. Feito o ministro, o governo ganha um amigo leal na Esplanada dos Ministérios e perde um voto no Parlamento.

Prestem atenção no que acontecerá com Paulinho da Força. Era um dos mais aguerridos defensores do impeachment. Por alguma razão desconhecida, Temer não o fez ministro. Preparem-se, portanto, para uma ruptura do Solidariedade com o “novo” governo.

Prestem atenção na nova base: exceto a parte dela que era também base de Dilma e, portanto, beliscava cargos sem compromisso, está com o apetite contido por mais de 14 anos de jejum. Acaso esses trânsfugas se moverão por interesse público, ou de Temer?

Portanto, que não haja um excesso de ansiedade em relação ao que o governo fará nesses próximos dias e meses. Ele será contido pelo apetite dos parlamentares por cargos, o qual se manifestará na forma de rejeição a projetos de interesse eleitoral. A CPMF? Ora, o grande parceiro de Paulinho da Força na deposição de Lula, Paulo Skaf, da Fiesp, se encarregará de cobrar dos beneficiários de R$ 500 milhões que coordenou para comprar o impeachment um “rotundo” não, como dizia Brizola, a essa tentativa de aumentar impostos.

Isso não significa que os movimentos sociais devem arrefecer seu ímpeto no sentido de resistir ao desmonte dos programas sociais. Ao contrário. Será na medida de uma resistência forte que os parlamentares ficarão intimidados pelas consequências de seu “sim”. É esta estratégia, a estratégia da resistência propositiva, que vamos promover na Aliança pelo Brasil. É que não podemos nos limitar a resistir. É preciso resistir e propor simultaneamente, pois a sociedade brasileira precisa ter um horizonte de reconstituição política, econômica e social.

*Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ.

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