Análise

A degeneração da Lava-Jato

Operação se colou à imagem de fanáticos reacionários e comete série de arbitrariedades que contam com a anuência da setores da Justiça

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Lava Jato subordina investigações à estratégia golpista da oposição derrotada e de seus parceiros midiáticos

A degeneração da Lava Jato deu cobertura ideológica ao reacionarismo embutido nas manifestações de junho de 2013. Com o sucesso e retroalimentação de público e de mídia, em 2015, a equipe investigativa cresceu em ousadia até a frustrada tentativa de prisão clandestina do ex-presidente Lula, em 4 de março de 2016.

As dúvidas sobre a competência dos advogados ou cumplicidade de outras instâncias judiciárias com os alegados abusos dos Procuradores, da Polícia Federal e do juiz Sergio Moro foram superadas pela reação da esquerda à mal contada história do depoimento do ex-presidente no aeroporto de Congonhas.

A decisão kamikaze de grampear a conversa de Presidente Dilma Roussef com o ex-presidente Lula e divulgá-la por canal de televisão historicamente associado a todos os golpes e tentativas de golpe de Estado, provocou unânime repúdio das correntes de esquerda, agora com a adesão de liberais democratas ao movimento de denúncia da partidarização da Lava Jato.

O movimento reacionário nas ruas e associações arrefeceu, não obstante a vergonhosa e temporã, embora não inédita ajuda da seção nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, e o continuado vazamento seletivo de depoimentos sem confirmação segura, delações controversas e reportagens pré-condenatórias.

A Lava Jato foi despida por seus operadores, despidos a si próprios e, finalmente, desnudou-se o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, abrigando entre os “indícios convergentes” de seu parecer negando o direito da Presidente Dilma Roussef nomear e o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva ser nomeado ministro-chefe da Casa Civil, precisamente a escuta ilegal e divulgação inominável que havia, antes, dubiamente criticado.

Foi mais um “indício convergente” ao estoque já robusto de todos os “indícios convergentes” de que os operadores da Lava Jato, supervisionados ou quiçá liderados pelo Procurador Geral, haviam subordinado a investigação à estratégia golpista da oposição derrotada e seus boletins midiáticos.

Pois foi da catadupa de interpretações e ilações altamente polêmicas de seus soldados, que o Procurador Rodrigo Janot pescou e sancionou a acusação, perfilhada pelo Legislativo, de que a Presidente Dilma Roussef cometeu crime de responsabilidade por tentativa de obstruir a Justiça. Realmente, era só o que faltava!

Segundo a denúncia do PSDB, a nomeação do ex-presidente Lula visava impedir sua prisão com base em alegadas provas colhidas pelos Procuradores. Rodrigo Janot engoliu e quer que todos engulam essa, mas não deu explicação para o fato de que, não obstante a suspensão pelo ministro Gilmar Mendes do ato presidencial que, supostamente, visava proteger o ex-presidente, este continue livre, leve e solto, fazendo política e ajudando a derrotar o golpismo.

Justo o que a presidente Dilma sempre disse que era o objetivo da nomeação. Estando a Justiça virginalmente desobstruída, valha o oximoro, por que cargas d’água, então, Lula permanece solto se não porque, vasculha daqui, dali e dacolá, os derrotados justiceiros de Janot não conseguiram “indícios convergentes” de crime algum? Onde está o efeito a ser obtido pela negação da causa (obstrução da Justiça), que seria a prisão do ex-presidente?

Já não digo Hegel e Marx, mas morreram Aristóteles e Kant? E a dialética jurídica de que se orgulham os constitucionalistas, vai patrocinar essa barbaridade? Se o parecer do Procurador recomendasse negação de eventual pedido de habeas corpus, caso o ex-presidente Lula caísse na armadilha do aeroporto de Congonhas, em 4 de março, a narrativa de agora não faria sentido porque não seria necessária. Por onde se demonstra, contra-factualmente, que se trata, agora, de um sofisma.

A nomeação de Lula para ministro da Casa Civil buscava impedir o arbítrio de fanáticos, saídos das páginas de Os Miseráveis, de Vitor Hugo, e incorporar a experiência e argúcia de extraordinário líder político às tratativas contra o golpe, agora assim reconhecido a cada dia por novos contingentes de brasileiros.

Só a absoluta insensibilidade e vocação para a desordem justificam, nessa corrida em busca da racionalidade contra o desatino, congratular-se com uma investigação que, degenerada, ameaça transformar-se em organização merecedora do qualificativo de criminosa ao apresentar como defesa a prisão de certo número de vilões, incomparavelmente inferior ao número de degradações públicas de inocentes e de incontáveis assassinatos de caráter.

Wanderley Guilherme dos Santos é cientista político e pesquisador do Iesp/Uerj


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