progressistas

Os desafios dos partidos de esquerda em 2016

Preservar conquistas, retomar crescimento econômico, garantir o equilíbrio das contas públicas e o desenvolvimento com inclusão social demandarão das legendas autonomia frente às propostas do Executivo

Danilo Ramos / Arquivo RBA

O desafio dos partidos de esquerda no Congresso em 2016, frente à agenda conservadora e à tentativa de golpe – além da defesa da democracia, do Estado de direito e da ética na condução da coisa pública –, será preservar as conquistas e combinar um ajuste fiscal, sem corte de direitos, com a retomada do crescimento econômico, de modo a garantir o equilíbrio das contas públicas, e, principalmente, o desenvolvimento sustentável com inclusão social.

É preciso ter clareza, antes de tudo, que nos governos de coalizão as iniciativas governamentais resultam de disputa no seu interior, especialmente com as forças conservadoras, e, portanto, da correlação de forças internas. Logo, nem toda proposta patrocinada pelo governo coincide com o interesse da base social dos partidos progressistas que o integram, como uma eventual “nova” reforma da Previdência, ora em debate.

Nesse diapasão, os partidos de esquerda que fazem parte da coalizão têm a obrigação de disputar no interior do governo e no Parlamento posições programáticas e não sucumbir às pressões de mercado ou das forças conservadoras. Foi assim que agiu recentemente a bancada do PT com sua proposta econômica e a decisão de votar no Conselho de Ética pela abertura de processo por quebra de decoro contra Eduardo Cunha.

Essencialmente devem saber distinguir entre as iniciativas que resultam da real manifestação de vontade do governante, e que estejam em sintonia com o programa sufragado nas urnas, e aquelas que são adotadas por imposição das circunstâncias e, muitas vezes, sem vínculo programático ou ideológico com a visão do governante.

Igualmente, é necessário que tenham clareza de que o moralismo justiceiro em voga está menos preocupado em fechar as brechas que deram origem a determinados desvios de conduta e mais interessado em encerrar um ciclo de poder que promoveu uma mudança de paradigma nas relações entre os setores público e privado. Os mesmos governos que são agora acossados por esse moralismo foram os que mais fundo agiram no rumo da transparência e do combate à corrupção, mediante mudanças nos marcos legais que deram às instituições, que antes eram tidas apenas como de governo, autonomia e instrumentos para atuar como instituições de Estado.

Também não devem ter nenhuma dúvida sobre a necessidade da defesa e da garantia do cumprimento do mandato da presidente da República, ameaçado por forças conservadoras e de oposição que não se conformam com o resultado das eleições, com as prioridades programáticas do governo nem tampouco com as mudanças que têm levado para a cadeia alguns intocáveis em gestões anteriores.

Aproveitam-se da baixa popularidade do governo, decorrente da crise política e econômica, e que pode se agravar em razão de fatores externos como o desaquecimento da economia chinesa, para tentar restabelecer a agenda neoliberal e interromper uma trajetória de inclusão social, de transparência, de combate à corrupção e de respeito às instituições de Estado. E se valem, para tanto, de um discurso moralista, que engana os incautos, mas que não encontra amparo na realidade.

O equilíbrio das contas públicas ou ajuste fiscal, que se faz necessário, deve preservar direitos e priorizar, em linha com a proposta econômica da bancada do PT na Câmara, o combate à sonegação e a defesa da criação ou majoração de tributos sobre a renda, o patrimônio, os bens supérfluos, a herança, enfim, as grandes fortunas. Não pode nem deve ter viés apenas de corte do gasto público, especialmente os destinados a programas sociais, à distribuição de renda ou ao pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais.

Agir de outro modo, além de fortalecer as teses dos conservadores, poderá resultar em desgaste político e perda de parlamentares que, contrariados com o enquadramento para apoiar temas alheios ao programa partidário, poderão mudar de partido, sem perda de mandato, valendo-se de duas “janelas” partidárias previstas. Uma delas resultará da promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 113, prevista para fevereiro ou março de 2016, que abrirá um prazo de 30 dias para mudança de partido. A outra, de natureza permanente, adveio da Lei nº 13.165/2015, que autoriza a mudança de partido, sem perda de mandato, no sétimo mês que antecede a eleição no ano de término do mandato.

Nas próximas eleições, já a partir de 2016, não haverá, legalmente, financiamento empresarial de campanha, e os partidos de esquerda, que contam com militância, não podem colocar a perder esse diferencial estratégico em função da defesa cega de propostas subscritas pelo governo, mas que foram impostas pelas forças conservadoras e neoliberais. No exemplo da flexibilização do fator previdenciário, que o governo inicialmente foi contra e findou sendo aprovado com os votos dos partidos de esquerda da base, quem faturou perante os beneficiários foram parlamentares de partidos conservadores e alguns de oposição, num claro erro de condução governamental.

A legitimidade dos governos do presidente Lula veio das políticas sociais e do freio nas privatizações. O governo Dilma, por pressão dos mercados, da mídia, dos partidos conservadores, seja da base ou da oposição, arrisca dilapidar esse patrimônio histórico. Mas, se quiser continuar a contar com o apoio de suas bases sociais, ou recuperar a confiança da sociedade, não pode sucumbir a essas pressões, adotando uma agenda de arrocho e de viés neoliberal, e colocar em risco um legado importante de combate às desigualdades, muito menos com o apoio dos partidos progressistas.

Os partidos de esquerda, portanto, precisam atuar com maior autonomia e de forma crítica frente às propostas do Poder Executivo, especialmente aquelas impostas em razão da fragilidade do governo. O alinhamento automático trouxe muito desgaste e não impediu a perda do grau de investimento nem houve alívio dos adversários do campo conservador e neoliberal, seja no Congresso, seja no mercado. Um outro jogo precisa ser jogado a partir de 2016, sob pena de enormes prejuízos sociais, políticos e eleitorais.

Artigo originalmente publicado na revista Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap