Emir Sader

A disputa é pelo Estado

Depois da profunda crise no centro do capitalismo, vinda do mercado sem controle, a direita não pôde seguir com a apologia ao mercado. Mas segue na busca por minar o Estado e seu poder de personificar projetos nacionais

Desde que Ronald Reagan difundiu a fórmula de que “O Estado deixou de ser a solução para se tornar o problema”, não se deixou de acentuar a luta pelo Estado. Para minimizá-lo ou para fazer com que continuasse a ter um papel ativo na economia e na sociedade.

A partir desse momento, o Estado se transformou em um tema central no debate de ideias. Foi demonizado, responsabilizado pela inflação, pela ineficiência dos serviços públicos, pela corrupção, pela drenagem dos recursos das pessoas tirados via impostos para gastos com burocracia. Como contraponto, se passou a exaltar a empresa e o mercado, como tudo o que é dinâmico, os empresários como os heróis da economia, temas de biografias e autobiografias.

É a forma que assumiu a polarização público/mercantil na era neoliberal. O Estado passou a ser vítima das campanhas contra ele, por sua capacidade de regulamentação da economia por seu poder de afirmar e garantir direitos sociais para todos, por ser o sujeito de políticas externas soberanas, por poder personificar a nação e os projetos nacionais.

Estado mínimo passou a significar mercado máximo ou centralidade do mercado, que recuperava sua velha qualidade de “melhor alocador de recursos”, mediante sua mão invisível. A recuperação da democracia liberal frente à crise do socialismo ajudava a recuperação do liberalismo econômico, essa casal que pretendia protagonizar o happy end do fim da historia.

Os Estados latino-americanos, em particular, foram destroçados pela avalanche neoliberal. Empresas estratégicas passaram, no espaço de uma semana, de patrimônio publico em mãos do Estado a produtoras de lucros em mãos privadas, frequentemente de empresas estrangeiras. Direitos conquistados mediante duras e prolongadas lutas populares foram abolidos por uma penada. A dignidade nacional jogada fora frente a políticas de subordinação nacional a governos e entidades financeiras internacionais.

Em alguns setores do campo da esquerda surgiram posições de rejeição do Estado, a favor da “sociedade civil”, somando, na prática, com as posições liberais em uma frente antiestatal. Posições que foram perdendo força, até praticamente tornarem-se intranscendentes, deixando nas mãos da direita as posições contra o Estado.

Desde então o Estado recuperou prestígio quando governos latino-americanos o resgataram para desenvolver políticas sociais que terminaram sendo reivindicadas até pelos candidatos da direita. Ao mesmo tempo há consenso também de que a profunda e prolongada crise econômica no centro do capitalismo foi produzida por um mercado sem controle. De tal forma que a direita não pôde seguir fazendo a apologia do mercado. O que ela faz é manter sistemática crítica ao intervencionismo econômico do Estado e a este como fonte de corrupção.

A disputa pelo Estado, para a esquerda, não tem simplesmente o objetivo de resgatar o aparato de Estado tal qual ele é. Mas de fortalecer as políticas sociais e os bancos públicos, democratizar o sistema tributário, resgatar e fortalecer empresas estratégica para a economia, afirmar projetos nacionais, democratizar o processo de formação da opinião publica, apoiar políticas culturais de caráter pluralista, desenvolver um discurso democrático, púbico, popular e soberano.

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