Livro

Trotskismo, sonhos, utopias e outras histórias

Ele decidiu escrever um livro para “deixar para os netos”. E acabou resgatando a saga de milhares de jovens que fizeram a vida em São Paulo, temperada com a história da esquerda brasileira

No Dops, ele ficou sob a guarda de um policial que tinha compromisso e o liberou. Nunca mais apareceu

Walter Paixão seguiu a vida como milhares de jovens paulistas de sua geração: saiu da zona rural, mudou-se para a cidade de São Paulo, tornou-se operário, cursou o colégio, aprendeu datilografia e ingressou no Banespa, conquistando o que a sociedade da época prometia, a posição de um pequeno burguês. O golpe em abril de 1964 não teve tanto impacto em sua vida. Foi estudar Filosofia na Maria Antônia, se enturmou com a esquerda, trabalhava de manhã, estudava e militava à tarde, como muitos bancários. As universidades ferviam, os debates eram permanentes, as passeatas idem.

Qual caminho seguir? Muitos foram para a luta armada, as manifestações estudantis estavam todo dia nas ruas, os operários ocupavam fábricas em Contagem e Osasco, as barricadas estavam nas ruas de Paris. Uma viagem de férias ao Chile e o contato com o MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria) consolidou a opção pelo trotskismo e pelo ingresso no Partido Operário Revolucionário Trotkista (Port). Acreditava em uma luta de massas, não de vanguarda.

É do movimento estudantil que vem a construção dos sonhos e da utopia de uma sociedade justa, sentimento da imensa maioria dos jovens militantes bancários da época. Paixão não acredita na condução do sindicato da categoria em São Paulo pelos membros do PCB e impulsiona o grupo de oposição Participação Ativa. (Dali iria além, participaria da fusão dos grupos que dariam lugar à organização que mais à frente surgiria com o nome de Liberdade e Luta, a Libelu; na qual Paixão seguiria até o surgimento da corrente Causa Operária.)

Nesse redemoinho vem o AI-5, em dezembro de 1968, a ditadura dá um golpe dentro do golpe e implementa a mais cruel repressão. Em 1970, Walter é detido por policiais dentro da torre do Banespa, cartão postal da cidade de São Paulo. Levado ao Dops, foi duramente agredido e valendo-se de uma experiência de pugilista, não se deixou quebrar. Teve a sorte de ficar sob a responsabilidade de um policial que naquela noite tinha um compromisso e o liberou, para que voltasse no dia seguinte. Nunca mais apareceu, caiu na clandestinidade. Tirou carteira de trabalho nova, virou corretor de imóveis, professor público do estado, tentou mestrado, escreveu um livro de lógica, desistiu do magistério “porque os alunos não se interessavam por filosofia”, tornou-se editor de revistas, e não largou a militância sindical e as organizações trotskistas. Com o surgimento do PT nos anos 1980, não quis seguir um “caminho social-democrata”.

Enfrentou centenas de milhares de concorrentes no concurso do Tesouro Nacional e foi aprovado. Decidiu escrever um livro para “deixar memórias para os netos”, contando a história direta da fonte. E conseguiu muito mais, resgatar a saga de milhares de jovens pobres que fizeram a vida em São Paulo, temperada com a história da esquerda brasileira e do trostkismo.

Lenga-Lendas de um Pequeno Burguês
Editora In House
Lançamento: 1º de dezembro, às 17h, na Afubesp, Rua Direita, 32, 2º andar
Preço no lançamento: R$ 20 – Pedidos:[email protected] – R$ 30