terror

Guerra, que guerra?

Quando até o papa fala na “terceira guerra mundial”, se faz o jogo do Estado Islâmico, que quer aparecer como o adversário fundamental de todas as grandes potências do mundo, especialmente as ocidentais

Armée française–opérations militaires OPEX/fotos públicas

França faz novo ataque aéreo sobre reduto do Estado Islâmico na Síria

Quando se quer dizer enfaticamente que se é contra algo, se declara verbalmente guerra: guerra ao tráfico de drogas, guerra à corrupção guerra ao terrorismo. Mas do que trata esta guerra?

Sabemos hoje que a guerra ao tráfico fracassou rotundamente. Há um consenso cada vez mais amplo de que é preciso declarar formalmente seu fim e adotar outras formas de combate ao tráfico de drogas. É essa visão equivocada que permite que as forças policiais atuem nos territórios das populações pobres das periferias das grandes cidades como se buscassem a invasão de um território inimigo, em que a população que o habita tem de ser derrotada.

Essa é a concepção de guerra: definir um inimigo, se apropriar do seu território e derrotá-lo. É isso e não um erro técnico qualquer que tem permitido que policiais atirem a pouca distância contra mães com os filhos no colo ou contra crianças nas favelas.

Da mesma forma, quando George W. Bush declarou guerra ao terrorismo, em 2001, fazia uma declaração que aparentemente significava uma atitude radical e intransigente, mas que levou a um mundo pior e com mais terrorismo. Foram tomadas medidas exorbitantes – como agora na França –, foram invadidos e destruídos o Iraque, o Afeganistão e a Líbia, o que só fortaleceu a reação contra os Estados Unidos e as potências ocidentais, com o surgimento e o fortalecimento de grupos cada vez  mais radicais.

O governo francês agora toma exatamente a mesma atitude: guerra ao terror, com medidas de fortalecimento dos poderes dos órgãos policiais no plano interno, maior controle da entrada de pessoas, mesmo da Europa, e intensificação dos bombardeios contra os territórios controlados pelo Estado Islâmico.

A dificuldade é que a guerra supõe forças constituídas, territórios formalmente controlados pelos contrincantes, o que não existe nas situações atuais, em que Estados têm de enfrentar adversários informalmente constituídos. A partir dos atentados de 2001 as potências ocidentais escolheram definir Estados como inimigos formais na guerra, para poder desenvolvê-la, mas esse estratagema não permitiu vencer essa guerra.

Agora os bombardeios a regiões da Síria controladas pelo Estado Islâmico é o máximo de guerra que se pode pôr em prática. As forças que desatam ações terroristas em vários continentes do mundo podem continuar atuando, como as ações no Mali recentemente o demonstram.

Certamente esses bombardeios podem enfraquecer a capacidade de ação do Estado Islâmico, como a atuação desenvolvida pela Rússia desde setembro comprova. Mas não enfraquece, em nada, a capacidade de ações terroristas em vários países.

Uma política eficiente de atuação contra o Estado Islâmico, no imediato, implicaria suspender a venda de armamentos para países sobre os quais há a desconfiança de que apoiem o grupo terrorista, como é o caso da Arábia Saudita – compradora contumaz de armamentos dos Estados Unidos e da França, entre outros produtores.

Além de atacar as bases do poderio financeiro do Estado Islâmico, a começar pelo controle das vendas do petróleo comercializado por ele, comprado – segundo denúncia de Vladimir Putin – por mais de 40 países de todo o mundo, incluindo vários do G20.

Assim, quando até o papa fala na “terceira guerra mundial”, se faz o jogo do grupo terrorista, que justamente quer aparecer como o adversário fundamental de todas as grandes potências do mundo, especialmente as ocidentais.

O balanço das cruéis ações terroristas da sexta-feira 13 é de que os objetivos que buscavam foram atingidos, tanto do ponto de vista militar, como político. Conseguiram causar danos gravíssimos, no coração de Paris, assim como conseguem as repercussões que buscavam para suas ações. Esse é o tipo de estratégia de forças irregulares, que se valem da mobilidade, da surpresa, de pequenos contingentes descentralizados e que contam, nesse caso, com uma ideologia radical que se difundiu ao longo dos últimos anos.

Será um combate longo contra o fundamentalismo islâmico, que só conseguiria sucesso se lograsse também um acordo político de pacificação dos conflitos no Oriente Médio, objetivo que está longe de ser atingido.