até quando?

Juros e salários no Brasil

Defensores dos juros altos pregam sempre corte de gastos, sobretudo os sociais, para que seja possível economizar recursos orçamentários para dar solvência ao rentismo

Marcos Santos/usp imagens

O atendimento da dívida pública se tornou central a ponto de ser indicador da qualidade das finanças públicas

A despesa governamental com o pagamento dos juros da dívida pública equivale a qualquer outro tipo de despesa do Estado. Mas no Brasil, o atendimento da dívida pública alcançou enorme centralidade, a tal ponto de utilizar como indicador da qualidade das finanças públicas o conceito fiscal de superávit ou déficit primário.

Ao isolar do conjunto das despesas governamentais para somente o pagamento incomprimível do custo da dívida pública, introduz-se a diferenciação entre juros e a demais despesas consideradas menos importantes. Por conta disso, a contabilidade das contas governamentais realça o fato de o Estado fazer ou não economia com as despesas para garantir recursos orçamentários ao pagamento dos juros aos rentistas do dinheiro público.

Em geral, a variável fundamental na determinação do comportamento das despesas financeiras é a taxa básica de juros estabelecida pelo Banco Central. Como a trajetória dos juros, por definir o preço do dinheiro, impacta o conjunto dos preços da economia e motiva o crescimento ou não das atividades produtivas, cabe relacionar o seu comportamento no tempo com a situação do salário médio real dos trabalhadores.

Assim, percebe-se, por exemplo, que entre 2003 e 2014, a taxa de juros básica do Banco Central (Selic) foi, em média, de 6,8% acima da inflação anual. Para o mesmo período de tempo, o crescimento real do salário médio do trabalhador nas seis principais regiões metropolitanas foi de 1,3% ao ano.

Em síntese, para cada 1 ponto percentual de aumento real na taxa básica de juros do Banco Central, o salário médio real do trabalhador cresceu 0,19 pontos percentuais ao ano.

O mais grave ainda ocorreu no governo FHC. Entre 1995 e 2002, por exemplo, a Selic foi, em média, de 15,1% acima da inflação anual.

No mesmo período de tempo, o decréscimo real do salário médio do trabalhador nas seis principais regiões metropolitanas foi de -1,1% ao ano. Noutras palavras, a cada 1 ponto percentual de aumento real na taxa básica de juros do Banco Central, o salário médio real do trabalhador diminuiu -0,07 pontos percentuais ao ano.

O diferencial de tratamento entre os preços do dinheiro e do trabalho no Brasil revela preferências governamentais distintas. Ao mesmo tempo indica o poder do rentismo, capaz de encapsular o Banco Central na defesa de taxa de juros reais sempre positivas.

Noutras economias, o poder do rentismo também segue expressivo, porém não comparável com o Brasil. Nas economias ricas, a taxa de juros tem se mantido próxima de zero, com resultado real negativo, mesmo que sejam países com endividamento público muito maior que o brasileiro.

Por conta disso, o gasto público com o serviço do endividamento público tem sido muito menor do que o verificado no país. Os defensores dos juros altos defendem insistentemente que o governo deve sempre cortar os demais gastos públicos, sobretudo aqueles de investimentos e sociais, para que assim seja possível economizar mais recursos orçamentários para dar solvência ao rentismo. Até quando?