EMIR SADER

A ameaça da direita na Argentina, pela primeira vez com candidatura própria

Partido Radical, tradicional opositor do peronismo, não lança candidato e anuncia apoio ao direitista Maurício Macri, prefeito de Buenos Aires e ex-presidente do Boca Juniors

Instituto Patricia Galvão

Macri, atrás do candidato de Cristina nas pesquisas: blindagem da mídia e fervor conservador da classe media

A alternância eleitoral na presidência da Argentina se deu, há várias décadas, entre o peronismo e o radicalismo. Desde que Juan Domingo Perón surgiu para a vida política argentina essa alternância marcou as eleições presidenciais no país vizinho. Mesmo quando a direita governou, ela o fez por intermédio de um presidente peronista – Carlos Menem – nos anos 1990. Nas três vezes em que foi eleito um presidente radical, ele não terminou seu mandato – por um golpe a Arturo Illia (1966) e pela renúncia dos presidentes eleitos, Raúl Alfonsin (1989) e Fernando de la Rúa (2002).

As eleições deste ano para suceder a Cristina Kirchner trazem novidades. Do lado do governo, o atual governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, tenta garantir a continuidade do peronismo, sem ter sido, inicialmente, o preferido da atual presidenta, mas que ganhou sua confiança não somente pelo apoio popular do seu governo, mas também pela fidelidade que ele soube manter com o kirchnerismo.

Mas a maior novidade vem do lado da oposição. Pela primeira vez na sua história, a União Cívica Radical (UCR) não apresenta candidato à presidente e declara apoio ao direitista Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires por dois mandatos e que acaba de eleger seu sucessor por uma boa margem de votos. A UCR não conseguiu sair da crise que lhe afetou desde o fracasso da presidência de De la Rúa, renunciante nos primeiros meses do seu mandato. Desta vez, nem sequer terá candidato presidencial, com o que buscava manter um perfil centrista, abandonado pelo apoio a Macri.

Mauricio Macri é a maior novidade das eleições presidenciais deste ano na Argentina. Saltou da presidência do Boca Juniors para a prefeitura de Buenos Aires, com o perfil do empresário privado de sucesso, para captar o eleitorado conservador da capital, que tinha antes brindado tradicionalmente ao radicalismo seu voto antiperonista.

Sem fazer bons governos na capital, Macri contou com a blindagem da mídia opositora, com a crise do radicalismo e com o fervor antiperonista da classe média branca de Buenos Aires. É o primeiro candidato com possibilidades de vitória sem nenhuma corrente do peronismo ou do radicalismo.

A extrema direita argentina só conseguiu governar, desde o surgimento do peronismo, por meio de golpes militares – 1955, 1966, 1976 – ou pela versão neoliberal de Carlos Menem (1989-1999), dentro do próprio peronismo. Como a possibilidade de que um peronista suceda a Cristina Kirchner é alta, um ex-membro do seu governo, prefeito de uma cidade da região de Buenos Aires, Sergio Massa, com perfil jovem e dinâmico, rompeu com o governo e lançou sua candidatura. Massa, inicialmente, surgiu como favorito da oposição, mas sem consistência própria e alianças nacionais, rapidamente foi perdendo apoios em favor de Macri ou de políticos que preferiram retornar ao kirchnerismo.

A polarização foi assim se impondo, ainda antes das consultas internas dos partidos, previstas para agosto. Cristina conseguiu evitar uma briga fratricida dentro do kirchnerismo, fazendo com que os outros pré-candidatos desistissem e Daniel Scioli se consolidasse como o candidato da continuidade governamental.

Macri vai enfrentar outros nomes sem maior expressão na consulta interna, que o apoiarão na campanha eleitoral. Assim, tudo foi se afunilado para a polarização entre Scioli e Macri, entre o kirchenrismo – versão atualizada do peronismo – e o antiperonismo. Pela primeira vez o peronismo se enfrenta a uma candidatura abertamente direitista.

As pesquisas têm dado vantagem para Scioli sobre Macri e com Massa mais atrás. Se conseguir passar de 40% e ter 10 pontos de vantagem sobre o segundo colocado – situação que até aqui as pesquisas não dão, porém deixam aberta essa possibilidade –, Scioli triunfaria no primeiro turno. No caso de um segundo turno, entra a interrogação sobre como se dividiriam os votos de Massa. Depois das consultas internas de agosto, as previsões ganharão mais consistência.

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