Emir Sader

Se não há chapéus para todos, que se cortem cabeças

E quem decide quais cabeças sobreviverão ao precário numero de chapéus? A mão oculta do mercado

O lema de uma recente campanha eleitoral do PP, o partido da direita espanhola, na Catalunha, resume a essência da filosofia do neoliberalismo. Em primeiro lugar, somos demasiados. Em relação a que? Ao que existe. É como dizer: há excessivas cabeças para poucos chapéus.

E o neoliberalismo não se dispõe a produzir mais chapéus para superar essa inadequação. Prefere cortar cabeças. Poderia dividir melhor os que existem, fazer rodízio com os chapéus por várias cabeças. Mas, não. É preciso reduzir a demanda de chapéus pelo excesso de cabeças.

Mas quem decide que é preciso cortar cabeças e que cabeças devem ser cortadas? A população, reunida democraticamente em assembleias ou em açougues gigantes? Não. Quem decide é o mercado, esse grande açougueiro.

As cabeças viveram por cima das suas possibilidades de que todas possam ter chapéus, um para cada uma. Agora é preciso fazer o doloroso dever de casa, de cortar, com austeridade, as cabeças excedentes.

Como se decide quais são as cabeças sobreviventes para o precário numero de chapéus? Pela ação mágica, sapiente e equilibrada da mão oculta do mercado.

Assim, sobreviveriam as cabeças mais bem qualificadas pela inevitável lei da oferta e da procura. Malthusianamente (referência ao economista e matemático inglês Thomas Malthus, que no século18 dizia que enquanto a população cresce em população geométrica, a produção de alimentos segue apenas em progressão aritmética). Para a glória dos sacrossantos equilíbrios macroeconômicos.

E se se violassem essas normas, produzindo-se mais chapéus para atender a demanda de todas essas cabeças?

Não, não e não. Pelo amor de Deus. Nem pensar nos distúrbios macroeconômicos que se produziriam, com a tenebrosa vingança do mercado, que mandaria raios e trovões sobre s cabeças de todos, como castigo por não termos obedecido as leis da oferta e da procura. Não, tudo menos isso.

A inflação dispararia a cifras de não sei quantos dígitos. Os capitais fugiriam para qualquer agência do HSBC ainda aberta ou buscariam refúgio, atraídos pela lei de atração universal, que os leva, se nada se interpõe, para o doce regaço de qualquer outro paraíso fiscal. O FMI acenderia todas as luzes e nos consideraria um caso execrável, infradotado dos critérios mínimos de confiança para receber um centavo de empréstimo ou de investimento.

Vale a pena tudo isso simplesmente para satisfazer algumas cabeças, cuja insistência em sobreviver pode nos expor a todos os fogos do inferno? A ser declarados países não confiáveis diante dos confiáveis organismos internacionais da finança e do poder? Ficarão menos cabeças, mas melhores. Que disso se trate para países, governos, partidos sérios: se não há para todos, tem de haver para alguns, que sejam os que o mercado diz que merecem.

Essa a filosofia do neoliberalismo, da austeridade. Não há para todos.

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