mais eficiência

Segurança social do brasileiro no começo do século 21

País precisa institucionalizar os mais recentes êxitos das políticas sociais para evitar o constrangimento da descontinuidade temporal das políticas públicas

Claudio Fachel/Palácio Piratini

Há 110 programas dispersos para crianças e adolescentes em diversos ministérios: falta articulação

A complexidade e emergência da questão social no Brasil neste começo do século 21 exigem um segundo movimento de constitucionalização do Estado em direção à maior eficiência e eficácia das políticas de segurança social. Para isso, a redefinição de ações que se voltem para a horizontalização das políticas de proteção (previdência, assistência e saúde), promoção (educação, cultura e trabalho) e infraestrutura (habitação, urbanismo e saneamento) social.

Nesse sentido, o imperativo da integração orçamentária e da interssetorialização das políticas públicas articuladas por ações matriciais no território para enfrentar, em novas bases, as mudanças socioeconômicas transmitidas pela transição para sociedade de serviços. No Brasil, isso significa que nas duas próximas décadas, a população tende, por exemplo, a alterar profundamente a composição etária, com o considerável envelhecimento dos brasileiros.

No ano de 2040, por exemplo, a população poderá ser menor do que a esperada para 2030, cuja dependência demográfica deverá aumentar mais diante da relativa diminuição da população jovem e a expansão do segmento de maior idade. Atualmente, menos de um quarto dos brasileiros tinha menos de 15 anos de idade, enquanto que em 1992 era mais de um terço da população total.

Todas essas profundas mudanças demográficas estão sendo acompanhadas por alteração não menos importantes na situação familiar, que a cada ano eleva a presença de famílias monoparentais, com chefiada das mulheres ou idosos. Assim, a decrescente capacidade dos novos arranjos familiares prover por meio de decisões individuais condições adequadas de vida, passa a exigir cada vez mais a redefinição do papel das políticas de atenção social.

Simultaneamente, sabe-se que o avanço da sociedade de serviços coloca na esfera do conhecimento a principal posição de ativo estratégico em termos de geração de renda e riqueza. Não obstante a melhora educacional dos últimos anos, o Brasil encontra-se ainda distante do necessário patamar de ensino-aprendizagem.

Na nova sociedade em construção, a conclusão do ensino superior deve ser tornar a base para o ingresso no mercado de trabalho, bem como a educação transforma-se na medida imprescindível para a vida toda. No Brasil de hoje, menos de 15% do segmento etário de 18 a 24 anos encontram-se matriculados no ensino superior e a partir do ingresso no mercado de trabalho, em geral, as possibilidades de continuar estudando pertencem fundamentalmente a poucos.

Para os 20% mais ricos, a escolaridade média supera os dez anos, enquanto os 20% mais pobres mal chegam aos cinco anos. Na condição de negro, nem isso ocorre.

A persistência da dispersão de objetivos e a fragmentação das políticas sociais impõem elevado custo-meio de operacionalização que poderia ser rebaixado sem maior comprometimento da efetividade e eficácia, ademais de inibir o clientelismo e paternalismo que terminam por obstruir a perspectiva necessária da emancipação social e econômica da população beneficiada.

Somente no âmbito das ações para crianças e adolescentes contabilizam-se, por exemplo, a existência de quase 110 programas dispersos em diversos ministérios na esfera federal, sem contabilizar ainda iniciativas semelhantes conduzidas por governos estaduais e municipais. Essa dispersão das ações sociais significa a fragmentação e sobreposição institucional que aumentam o custo-meio da operacionalização e compromete a eficácia e eficiência das políticas de segurança social.

Por outro lado, pode-se notar que as iniquidades ainda existentes no tratamento concedido pelo conjunto das políticas não se localizam somente na natureza do gasto social, mas fundamentalmente na forma do seu financiamento. A prevalência da regressividade na estrutura tributária que sustenta as políticas públicas no Brasil onera proporcionalmente mais os pobres do que os ricos.

Por isso, o financiamento das políticas sociais continua a potencializar o patamar da desigualdade que vem originária da distribuição primária da renda e riqueza. Mesmo não tendo registrado o mesmo desempenho observado nas economias centrais, o Brasil perseguiu uma trajetória recente de avanços nas políticas de segurança social desde a Revolução de Trinta e, sobretudo, após a Constituição Federal de 1988.

Apesar das especificidades de um país periférico, o país melhorou em várias medidas de atenção social, sem, contudo, ainda romper definitivamente com a natureza da exclusão social. Se o objetivo das políticas públicas for o enfrentamento da totalidade das vulnerabilidades da população, a ação governamental de médio e longo prazos exige não apenas e exclusivamente a ação setorial, mas, sobretudo e cada vez mais, a matricialidade das políticas de segurança social.

É nesse sentido que proposição da consolidação das leis sociais no Brasil assume importância estratégica. A necessária institucionalização dos mais recentes êxitos das políticas sociais permitiria evitar o constrangimento da descontinuidade temporal das políticas públicas, ao mesmo tempo em que possibilitaria modernizar e ampliar o alcance do aparelho de Estado em torno da racionalização de procedimentos e recursos.

Por fim, a obtenção da maior efetividade, eficiência e eficácia do conjunto das políticas públicas voltadas para a segurança social, especialmente quando a transição para a sociedade de serviços torna-se inexorável. Não obstante os históricos obstáculos e limites impostos ao avanço do sistema de bem estar social, o Brasil possui, atualmente, a inédita oportunidade política de consolidar o rumo de um novo desenvolvimento capaz de combinar melhora econômica com avanço social. Assim, as pazes com o futuro socialmente justo e economicamente sustentável tornam-se possíveis a partir de uma maioria política que assuma o protagonismo de conceber junto com o povo o que historicamente lhe foi negado: o bem-estar coletivo.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp

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