infra e superestrutura

Políticas de inclusão e o desconforto causado pela redução da desigualdade

Filtros que sustentavam a falsa meritocracia expressa pelos monopólios sociais por meio da educação, das redes de indicações e círculos de relacionamento vêm sendo questionados pelo avanço das políticas de inclusão em vários níveis

Robson Fernandjes/Fotos Públicas

Dia 13: perfil se aproximou mais do conjunto da população, com não brancos e pessoas com rendimentos menores

As relações existentes entre a infra e a superestrutura de uma sociedade têm sido cada vez mais estudadas nos dias de hoje. Nesse sentido, ganha importância a compreensão a respeito das conexões que se manifestam na base material dimensionada pelo comportamento da economia com sentimentos e ações que se expressam por movimentos culturais e políticos.

De maneira geral, as modificações na base econômica da sociedade terminam por impulsionar, em maior ou menor medida, efeitos simultâneos sobre a superestrutura da sociedade. Ainda que possa haver alterações e suas consequências ao longo do tempo, elas ocorrem não devendo ser desconsideradas suas determinações.

Esta constatação talvez possa contribuir para lançar luzes sobre o atual momento político brasileiro. Em conformidade com a pesquisa de opinião pública conduzida pela Fundação Perseu Abramo com amostras de participantes das manifestações ocorridas nos últimos dias 13 e 15, torna-se evidente os impactos – para o mal ou para o bem – das transformações verificadas na base material no sentimento das pessoas.

Para os que saíram às ruas para se manifestar no dia 13, uma sexta feira, percebe-se que o perfil médio se aproximou mais do conjunto da população nacional, com a importante presença de não brancos e com rendimentos menores. Estes setores foram impactados substancialmente por alterações na economia desde a década de 2000 relativas à elevação do nível geral de emprego, formalização dos postos de trabalho, ampliação do poder de compra dos salários, generalização do acesso ao crédito e ao maior consumo e sua diversificação.

paulo pinto/fotos públicas
Dia 15: manifestantes com perfil fora da média brasileira: muitos brancos com alta escolaridade

Por outro lado, o perfil dos participantes das manifestações do dia 15 distanciou-se das características típicas dos brasileiros em função da maior escolaridade, rendimento e raça e cor. Para estes segmentos sociais, as alterações econômicas terminaram por impactar positivamente pouco ou mesmo trazer consequências percebidas como negativas.

Mesmo que a ascensão dos de baixo não tenha repercutido negativamente no padrão de vida dos estratos de maior rendimento no Brasil, provocou certo desconforto frente à redução do distanciamento que até pouco tempo demarcava o espaço de atuação das diferentes classes e frações de classe sociais. De certa forma, percebe-se até o registro do sentimento de ameaça de parte dos melhores incluídos frente ao processo de combate à exclusão dos mais pobres, uma vez que repercute no acirramento da competição pelas oportunidades geradas no país.

Os filtros que sustentavam a falsa meritocracia expressa pelos monopólios sociais por meio da educação, das redes de indicações e círculos de relacionamento vêm sendo questionados pelo avanço das políticas de inclusão em vários níveis, revelando a baixa capacidade de certos segmentos de maior renda conviver numa sociedade mais competitiva. De fato, o movimento de democratização do acesso ao ensino médio e superior, ao consumo de maior valor unitário, ao entretenimento, entre outros, tornou mais difícil aos filhos dos já incluídos continuar ingressando tranquilamente nas universidades de mais alta qualidade, nos empregos de elevada remuneração pois há cada vez mais competidores.

Com isso, as mobilizações recentes no Brasil parecem indicar dois sentidos de natureza diferente. De um lado, o sentido daqueles que não desejam a interrupção dos canais de ascensão socioeconômica estabelecidos desde os anos 2000 em função do baixo dinamismo econômico presente, da escassez da geração dos empregos de maior qualidade e da elevação no nível de preços redutor do poder de compra dos salários.

De outro lado, o sentido de outros pela obstaculização dos mecanismos impulsionadores da ascensão dos de baixo. Por isso, a aceitação de políticas de contingenciamento do gasto público e da ostentação da moralidade, indícios proibitivos do maior impulsionamento do potencial dos que vêm debaixo.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp