Mudança social

Políticas públicas recentes retomam ampliação de oportunidades de ascenção

Ao decidir pelo pagamento da dívida externa, nos anos de 1980, e adotar políticas neoliberais da década de 1990, a mobilidade social brasileira sofreu forte inflexão

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Distância entre os mais pobres e os mais ricos segue longa, mas redução foi retomada no início dos anos 2000

O conjunto de alterações em curso no interior da sociedade brasileira revela – guardada a devida proporção – movimento comparável ao verificado a partir da década de 1930. Atualmente, em meio à passagem para a sociedade de serviços, assiste-se  à significativa restauração do padrão de mobilidade social.

A recuperação do dinamismo econômico acompanhado do processo de inclusão social permitiu, não apenas a generalização do processo de ascensão, mas principalmente a alteração do sentido mobilidade social no interior da população. Dessa forma, ampliaram-se as possibilidades do movimento individual mais independente de sua origem social e racial.

Tudo isso, é claro, diante da implementação de políticas governamentais voltadas à universalização de oportunidades que até então se encontravam prisioneiras de antigos monopólios sociais. Mesmo assim resta ainda a importante tarefa de suas desconstruções, uma vez que seguem afetados decididamente, abrindo maiores chances da ascensão sem o prévio carimbo classificatório de origem social.

A passagem da sociedade móvel para a condição de fluida potencializa o sentido maior da universalização de oportunidades, ampliando as disputas no interior da população em condições ainda não isonômicas de competição. Mesmo com o importante resultado da redução no grau de desigualdade, sobretudo com base na renda do trabalho, tende a se manter a polarização social.

O recente movimento de transição da sociedade móvel (em que a origem social determina a posição a ser atingida no mercado de trabalho) para a sociedade fluida (o movimento de ascensão independente da origem social) tem sido acompanhado de sucessivas reações negativas por parte de sociais privilegiados. Tratam-se, resumidamente, daqueles que até então estavam satisfeitos ou pelo padrão de imobilidade social reinante nos anos de 1980 e 1990 ou de ascensão social contida e determinada pela origem social.

Entender melhor a complexidade que envolve a nova sociedade brasileira em constituição requer também identificar os seus opositores até então privilegiados. Mais que isso, buscar atuar frente às possibilidades de fazer avançar ainda mais os rumos de uma sociedade democrática e cada vez menos injusta.

Do contrário, corre-se o risco de se repetir equívocos governamentais verificados durante a transformação da estrutura social brasileira na transição da velha sociedade agrária para a urbana e industrial. Inicialmente, o rompimento com o padrão de imobilidade social hegemônico até a década de 1930, que se revela majoritário na prevalência do analfabetismo superior a 4/5 dos brasileiros e da pobreza generalizada no campo, onde residia a quase totalidade da população.

A presença secular de rudimentar estrutura social sofreu forte inflexão entre as décadas de 1930 e 1970. Apesar disso, o País assistiu à consolidação de uma nova sociedade móvel, assentada na trajetória de significativa e generalizada mobilidade social.

Destaca-se, contudo, que naquela época apontava para a ascensão social demarcada pela constituição urbana de novos ricos, bem como das classe média assalariada e da classe trabalhadora industrial. A desigualdade permaneceu sem modificações, embora acompanhada por todo o processo de diversificação social.

Enquanto determinados segmentos privilegiados usavam o “elevador” para subir mais rapidamente na hierarquia social, a maior parte da população subia – degrau por degrau – a longa escada do “edifício País”. De certa forma, a prevalência de monopólios sociais como na educação e mesmo no acesso ao crédito, sobretudo, se mostraram capazes de viabilizar a formatação da sociedade móvel, cuja origem social determinava – em geral – a posição atingida a partir do ingresso no mercado de trabalho.

Noutras palavras, a circunstância em que o filho do pobre tendia a se manter pobre simplesmente porque seus pais eram pobres, não obstante registros de mobilidade social intrageracional (comparação individual da primeira com a atual ocupação) e intergeracional (comparação da situação do filho com a dos pais)

Tudo isso terminou sendo contido durante as duas últimas décadas do século passado. Com o abandono do projeto nacional desenvolvimentista diante das decisões de pagamento da dívida externa adotadas no início dos anos de 1980 e das políticas neoliberais da década de 1990, a sociedade brasileira sofreu forte inflexão no movimento de mobilidade social.

O esvaziamento industrial, acompanhado do maior desemprego e precarização das condições e relações de trabalho, impôs a substituição do quadro geral anterior de ascensão social pela imobilidade social.

Isso para não citar os diversos casos de regressão na estrutura da sociedade.

*Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas

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