Emir Sader

O México cada vez mais próximo dos Estados Unidos

Ao consolidar aliança subordinada aos EUA, México se condena à estagnação, à deterioração social e à desagregação decorrente de ser corredor para o maior mercado consumidor de drogas do mundo

Mario Guzman/EFE/2008

“Vendemos a produção para pagar a conta de luz”. Tratorista mexicano protesta contra tratado de livre comércio com EUA e Canadá após crise de 2008

É conhecido o refrão “Pobre México: tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Hoje, o país já não está tão longe de Deus. O conflito com a Igreja católica, advindo da Revolução Mexicana de 1910, que levou ao movimento contrarrevolucionário dos “cristeros”, e à luta armada nos anos 1920 contra a revolução, ficou para trás, com a normalização das relações com o Vaticano.

Em compensação, o México está cada vez mais perto dos Estados Unidos. São relações de amor e ódio inspiradas, antes de tudo, pela única fronteira no planeta entre o que se convencionou chamar de primeiro e terceiro mundo. Uma atração ainda mais espetacular para a população mexicana, porque se trata do país mais rico do primeiro mundo. Não é à toa que milhões de mexicanos vivem e trabalham no EUA, com ou sem documento legais. Estima-se entre 14 milhões e 20 milhões os que cruzaram, legal ou ilegalmente, a fronteira do vizinho do norte para buscar uma forma de sobrevivência melhor do que a que têm no país de origem.

Leia da Revista do Brasil
As mesmas agências que diziam que estava tudo
bem com os bancos que causaram a crise de 2008
agora dizem que os mexicanos é que estão certos
e o Brasil, errado.

Em compensação, o México teve quase metade do território amputado pelos EUA. E que território: Califórnia, Texas, Flórida, com as respectivas reservas de petróleo. Daí a origem do ódio ao vizinho do norte.

Pancho Villa chegou a invadir terra incorporada pelos Estados Unidos durante a Revolução Mexicana. A Alemanha chegou a fazer a tentadora proposta ao México, na Primeira Guerra Mundial, de devolução dos territórios tomados pelos EUA, caso o país se aliasse ao bloco liderado pelos alemães na guerra.

Vizinhos distantes ou amorosos, os mexicanos oscilam entre a atração e a repulsa, fenômeno tão bem analisado por Octavio Paz, prêmio Nobel de Literatura.

Mais recentemente, o México teve o aparente privilégio de ser o primeiro país latino-americano a ser convidado para um tratado de livre comércio com os EUA, chamado de Nafta, do qual participa também o Canadá. Aceitou, honrado, o convite, achando que se casava com uma viúva rica – até se dar conta mais recentemente de que se casou com uma viúva quebrada.

Era o caminho que os EUA apontavam como inevitável para todo o continente. Os governos que aderissem às orientações do Consenso de Washington, que fizessem o que eles chamam de “dever de casa”, a partir de duros ajustes fiscais, poderiam entrar na fila para ingressar nesse espaço de livre comércio. O Chile se candidatou para ser o próximo da fila.

Porém, no próprio ano da assinatura do Nafta, 1994, explodiu a primeira crise econômica neoliberal na América Latina, justamente no México. O governo de Bill Clinton destinou imediatamente um gigantesco empréstimo ao país vizinho, para que o modelo neoliberal não levasse o país à ruína e proteger os próprios credores norte-americanos da crise. Ao mesmo tempo, houve a rebelião zapatista, com o grito de convocação à luta mundial contra o neoliberalismo.

Contudo o México estava irremediavelmente trilhando o caminho do neoliberalismo e do livre comércio, que estreitou ainda mais os vínculos e a dependência da economia norte-americana. Pelas mãos do PRI, partido originário da Revolução Mexicana, com uma ideologia nacionalista, que se transmutava definitivamente.

Quando os processos de integração regional se consolidaram, os países que aderiram aos tratados comerciais com os EUA organizaram um espaço alternativo ao Mercosul, a Aliança para o Pacifico, em que o México teria o papel central, junto a Peru, Colômbia e Chile. Os meios de comunicação internacionais, que mantêm forte campanha contra os governos pós-neoliberais na América Latina, acenam com o México como eventual alternativa ao Brasil.

As comparações entre os indicadores socioeconômicos do Brasil e do México são esmagadoramente favoráveis ao nosso país: do ponto de vista de crescimento, da melhoria das condições sociais, da estabilidade política, do apoio popular aos governos, da soberania na política externa.

Ao consolidar a situação de aliança subordinada aos Estados Unidos, o México fica condenado à estagnação econômica, à deterioração social e à desagregação proveniente de ser o corredor do narcotráfico para o maior mercado consumidor de drogas do mundo.