modelo

Repartir melhor para o consumo sustentável

Solução para a mais grave crise ecológica mundial exige reavaliação do padrão de consumo ostentatório, que não atende as necessidades materiais para a existência, mas apenas se diferenciar do demais

© physics.uc.edu

Mina de diamante na Sibéria. Sem rever padrãos de consumo, planeta caminha para o esgotamento

O atual modelo global de expansão econômica assentado no crescente consumo material estimula tanto o desaparecimento de recursos naturais abundantes como eleva as emissões de gases nocivos ao meio ambiente. A mudança climática, com o aumento da temperatura média da terra, aparece como consequência inequívoca disso.

A resistência às mudanças por parte dos condutores do sistema econômico impede a solução imediata para a mais grave crise ecológica mundial. Registra-se, por exemplo, que cerca de dois quintos das 45 mil espécies catalogadas encontram-se atualmente ameaçadas pela extinção. Somente nas últimas três décadas, o planeta Terra perdeu um terço de suas florestas naturais, enquanto a área submersa pela água retida em função das barragens já se apresenta três vezes superior à ocupada por florestas em pé no mundo.

Com o avanço da urbanização na Ásia e África, acompanhada da ocidentalização do padrão de consumo, a conversão de terras para a exploração econômica segue sem paralelo histórico. Diante do aumento de 53,3% da população mundial entre 1980 e 2010, dobrou a área ocupada pela urbanização.

Em função disso tudo que a generalização da economia de alto carbono compromete o comportamento da temperatura global, com a elevação radical da concentração de dióxido de carbono na atmosfera. Importante destacar que a elevação da renda per capita tem sido seguida da maior intensidade da emissão de carbono na atmosfera, cuja concentração cresce de 275 partes por milhão (ppm) antes do ciclo de industrialização para próximo de 400 ppm registrado nos dias de hoje.

Para a concentração de gás metano, que girava em torno de 720 a 780 partes por bilhão (ppb) entre os anos 1000 e 1800, passou para 1.750 ppb nos anos 2000. A consequência direta tem sido invariavelmente a situação de aquecimento global.

Ademais, não se pode esquecer que os pobres são os que mais sofrem dos efeitos da crise ecológica, uma vez que vivem em áreas de maior poluição e excluídos às condições de vida decente, sem acesso adequado à moradia, saneamento, energia elétrica. Talvez por isso que os maiores defensores das teses do limite da produção e, por consequência, a redução do consumo dos outros sejam justamente os ricos.

Em síntese, o modo de vida das classes ricas assenta-se no consumo ostentatório e degradante da ecologia, o que termina por afastar o futuro das gerações que estão por vir. Sabe-se que o padrão de consumo ostentatório das camadas ricas da população não resulta da procura por atendimento de necessidades materiais para a existência humana, mas ao interesse de se diferenciar do demais.

O consumo ostentatório tende a se expressar insaciável, gerando necessidades materiais indefinidas e resultando em referência cultural a ser imitada pela parte restante da população pelo que definiu Thorstein Veblen na passagem do século 20 (A Teoria da Classe Ociosa), a rivalidade ostentatória revela o desejo dos ricos de serem reconhecidos como melhores que os demais.

Dessa forma que a prevalência do padrão de consumo dos ricos aprofunda cada vez mais a crise ambiental no planeta. A saída da crise não pode ser a contenção do crescimento da demanda material dos pobres, mas a reversão do modelo de vida dos ricos assentado no consumo ostentatório.

A expansão da produção permite elevar o nível geral de riqueza enquanto requisito básico para melhorar a sorte dos pobres. Mas o aumento da riqueza sem a sua redistribuição justa favorece justamente os ricos, impulsionando a prevalência do padrão de consumo ostentatório.

Percebe-se que os países ricos representam um quinto da população mundial e detém quatro quintos da riqueza global. A perspectiva das nações não ricas não pode ser a mesma do enfrentamento da crise ecológica global estabelecida pelos países ricos.

O avanço tecnológico pode contribuir para que o padrão de vida urbano reduza o grau de emissão de gases nocivos à biosfera, bem como altere o conteúdo fortemente material do consumo. Cabe indagar, contido, a respeito da propriedade dos novos avanços tecnológicos, quando cerca de dois terços dos investimentos tecnológicos encontram-se em poder das grandes corporações transnacionais.

Ao se considerar apenas as 500 maiores corporações transnacionais, identifica-se que elas controlam a metade da produção mundial, em grande medida voltada ao atendimento do padrão de consumo ostentatório dos ricos e arremedado por muitos não ricos. Nesses termos, o risco de parte da teorização em torno da chamada economia verde estar a serviço da ocultação, mais uma vez, da manutenção do quadro geral de dominação imposto pelos países ricos. Isso pode estar ocorrendo justamente quando as economias do norte convivem com inegável esvaziamento de suas posições relativas no mundo.

Marcio Pochmann é professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas