Eduardo Alves ataca STF, mas não vota reforma que mexe em doação de campanha

Presidente da Câmara tem razão em querer debater intromissão de poderes. Porém, mais relevante é explicar por que se vale de manobras para não discutir captura do Congresso por empresários

Lúcio Bernardo Jr./Câmara

Peemedebista considera que resultado favorável à OAB no STF pode criar acirramento entre poderes

São Paulo – A exemplo de seu companheiro de PMDB no Senado, Renan Calheiros, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), pregou como mudanças concretas no comportamento e no sistema político alterações que não vão ao cerne da questão: o financiamento de campanha. Em entrevista exibida pela TV Câmara, Alves prometeu colocar em votação a proposta de reforma política que acaba com a reeleição, mas não mexe na maneira como se organizam as doações eleitorais.

Alves foi explícito sobre o endereço de seus recados: o Supremo Tribunal Federal (STF), que julga a Ação de Inconstitucionalidade 4.650, movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Até agora, conta com quatro votos a favor, e nenhum contra, a proposta que tenta declarar inconstitucionais os artigos das leis eleitorais sobre o financiamento empresarial de campanha. Caso a Corte siga, em 2014, no rumo adotado este mês, o Congresso ganhará de 18 a 24 meses para legislar a respeito dos limites para as doações feitas por pessoas jurídicas.

Em seu discurso para a TV Câmara, o peemedebista fez o que dele se espera: disse que o assunto é prerrogativa exclusiva do Legislativo, que “não irá aceitar nenhuma posição invasiva do Judiciário nesta questão”.  “Espero que o Judiciário contenha-se nos seus limites constitucionais, para não termos o constrangimento de partir para, não digo um enfrentamento, mas uma grave discordância entre os poderes”, acrescentou.

Alves se comprometeu a colocar em votação até abril a Proposta de Emenda Constitucional 352, de 2013, um arremedo de reforma política elaborado pelo grupo comandado pelo petista Cândido Vaccarezza (SP), que provocou mal-estar dentro de seu partido – primeiro, ao aceitar encabeçar os debates abertos após as manifestações de junho; depois, ao levar o debate para o rumo que desejava o PMDB de Alves, e não para o trajeto escolhido por seu partido, de realização de um plebiscito a respeito do tema ou, como alternativa, de apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular incluindo o financiamento público de campanha como um dos pontos centrais.

A proposta de Vaccarezza acaba com a reeleição para o Executivo, torna facultativo o voto e dá fim à obrigatoriedade de manter algum grau de coerência nas coligações nos níveis federal, estadual e municipal. Sobre doações de campanha, o petista propõe uma fórmula que não resolve a questão: caberia ao partido definir se quer financiamento público, privado ou misto – não é difícil imaginar qual seria a escolha da imensa maioria das siglas.

A exemplo do presidente do Senado, Alves evitou o tempo inteiro ir ao cerne da questão. Na segunda-feira, em pronunciamento transmitido em cadeia de rádio e TV, Calheiros afirmou que 2013 foi um ano que mudou as instituições políticas, mais sintonizadas com a vontade popular após as manifestações de junho. Pena que o discurso tenha sido contrariado pela prática. “Logo após as primeiras manifestações, e em menos de 20 dias, conseguimos aprovar novas leis. Leis modernas para transformar o Brasil no país que os brasileiros querem”, defendeu.

O presidente do Senado não citou o financiamento de campanha como um debate importante para o Congresso. Nem poderia. Ele, Alves e o vice-presidente da República, Michel Temer, todos do PMDB, foram os cabeças da mobilização para enterrar a proposta de plebiscito sobre reforma política apresentada por Dilma Rousseff como resposta às manifestações. Inicialmente, a alegação foi de falta de tempo para promover mudanças que valessem para 2014. Depois, avaliou-se como inviável a ideia de instalar uma constituinte exclusiva para tratar do tema. E, por fim, criou-se o grupo de trabalho comandado por Vaccarezza que cozinhou o galo sem oferecer respostas à falta de representatividade do Legislativo, fruto direto do financiamento empresarial de campanha.

Ignorou-se, com isso, um relatório elaborado e atualizado durante anos por Henrique Fontana (PT-RS), este sim a tocar nas doações eleitorais de pessoas jurídicas. O balanço de Alves seria mais sincero se tocasse neste ponto e mostrasse a infinidade de propostas que deixou de passar pelo Congresso devido à formação de bancadas de interesses setoriais dos grupos que dominam e sufocam a democracia brasileira.

Não faltam exemplos. No Senado, a bancada ruralista, que representa um terço dos assentos legislativos, conseguiu levar com a barriga a votação da PEC do Trabalho Escravo, que expropria e destina para reforma agrária as propriedades nas quais ocorra flagrante de escravidão. Na Câmara, conseguiu instalar uma comissão para analisar a PEC 215, que tira da Funai o poder de demarcação de terras indígenas, repassado a um Congresso dominado por interesses empresariais.

Não menos grave foi o lobby de empresas de telecomunicações e emissoras de televisão contra a proposta do Executivo para o Marco Civil da Internet. Tendo à frente o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), a bancada contrária à regulamentação do setor não permite a votação do Projeto de Lei 2.126, de 2011, por considerar ilegal o princípio de neutralidade da rede – explicado porcamente, trata-se do princípio que garante a todos os mesmos direitos de navegação, sem que se imponham desigualdades por tipo de conteúdo acessado ou pacotes de quantidade de tempo navegado.

Em sua fala, Alves prometeu para fevereiro a votação do Marco Civil, que tranca desde o último mês a pauta da Câmara. Mas, ao que tudo indica, de novo prevalecerão os interesses empresariais. “Em fevereiro, vamos ter de votar de qualquer maneira: ou se aprova, ou há derrota, ou se ganha aqui, ou se perde acolá, mas vamos votar.”

Mais uma vez, nenhuma novidade. Surpreendente seria se Alves e o PMDB admitissem que os interesses de pessoas jurídicas no Congresso não permitem a votação da reforma política que o STF pode acabar por impor. O presidente da Câmara está certo em querer debater a intromissão de um poder na atribuição constitucional do outro. É relevante para a construção da democracia.

Porém, mais flagrante neste momento é o uso, por ele, de manobras para evitar uma discussão aberta e franca sobre a captura do Congresso pelo empresariado, aspecto que levou ao oferecimento de mudanças toscas ou cosméticas como respostas à pressão popular.

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