PL 311/2013

Churrasquinho gourmet pode?

Lei municipal atende a lobby de empresários da alta gastronomia em São Paulo. Enquanto isso, trabalhadores ambulantes enfrentam dificuldades. Leia nota pública de entidades que tratam do assunto

Perfil Facebook Chefes na Rua/Divulgação

Nos últimos nove anos, houve uma redução de 91,6% dos trabalhadores com autorização nas ruas da cidade

São Paulo – A aprovação, no dia 27 de novembro, na Câmara de Vereadores de São Paulo, do Projeto de Lei (PL) 311/2013, que dispõe sobre as regras para comercialização de alimentos em vias e áreas públicas e cria Termos de Permissão de Uso (TPU) exclusivos para pessoas jurídicas provoca indignação entre os trabalhadores ambulantes da cidade e entidades que acompanham a categoria. O projeto tem a autoria dos vereadores Andrea Matarazzo (PSDB), Arselino Tatto (PT), Floriano Pesaro (PSDB), Marco Aurélio Cunha (PSD) e Ricardo Nunes (PMDB).

A aprovação do PL 311/2013 atende ao lobby dos empresários da alta gastronomia em São Paulo, que recentemente têm manifestado o desejo de reproduzir o modelo de negócio dos food trucks – venda de lanches e refeições feitas em minicaminhões estacionados em ruas e espaços públicos, uma forma de comércio bastante disseminada em cidades como Nova York.

Dessa forma, a Câmara de Vereadores desconsiderou a existência de uma lei que aborda a mesma matéria que o PL 311/2013. A Lei 11.039/1991, conhecida como Lei do Comércio Ambulante, dispõe sobre a atividade do comércio de rua, autorizando inclusive que trabalhadores ambulantes do ramo alimentício usem tanto veículos motorizados (vans, furgões) quanto aqueles movidos à propulsão humana (carrinhos).

Qual é o objetivo de se criar uma nova legislação para um assunto que já é regulamentado por uma lei existente? Seria a abertura de privilégios para empresas do ramo da alta gastronomia em detrimento dos ambulantes?

O PL 311 permite que empresas comercializem alimentos nos espaços públicos, inclusive organizando eventos. A Lei 11.039/1991 somente autoriza pessoas físicas como permissionárias nos espaços públicos.

O projeto de lei também não impõe limites às empresas para a organização de eventos, dando margem para que grandes corporações controlem os espaços públicos em megaeventos como, por exemplo, no entorno dos jogos da Copa do Mundo a ser realizada no ano que vem. Isso pode levar à precarização e subcontratação de trabalhadores para a venda de produtos. No Rock in Rio deste ano a rede de fast food Bob’s foi flagrada pelo Ministério do Trabalho e Emprego submetendo ambulantes a uma situação análoga à escravidão.

O PL 311/2013 ainda não delimita critérios urbanísticos para a concessão de licenças para a venda de comida de rua e ainda determina a criação de “comissões de comida de rua” para regular a distribuição de TPUs aos proprietários dos food trucks. Mas esta última determinação confronta uma vez mais a Lei nº 11.039/1991, que exige a participação dos trabalhadores ambulantes em Comissões Permanentes de Ambulantes (CPAs) instaladas em cada subprefeitura da cidade para a definição dos locais públicos a receber o comércio de rua.

Enquanto isso, trabalhadores ambulantes de São Paulo esperam há 11 meses a regularização de seus TPUs nesta nova gestão. A cidade possui cerca de 138 mil trabalhadores ambulantes, segundo dados de 2011 do Dieese e atualmente apenas 1.940 possuem autorização para trabalhar, graças à liminar da Justiça concedida após ação civil pública movida pela Defensoria Pública e pelo Centro Gaspar Garcia.

Nos últimos nove anos, houve uma redução de 91,6% de trabalhadores com autorização para trabalhar – de quase 23.000, em 2004, para os 1.940 de hoje. Para completar, desde 2007, a prefeitura tem suspendido a emissão de TPUs, restringindo assim a entrada de novos trabalhadores na atividade.

É preciso dizer que, sem os TPUs regularizados, os trabalhadores do comércio ambulante vivem uma insegurança jurídica e se sujeitam a todo o tipo de arbitrariedade: da violência policial à perda de suas mercadorias.

Diante desse quadro, perguntamos: para quem servirá a aprovação do PL 311/2013 considerando a existência da Lei nº 11.039/1991, que regula o comércio de rua nos espaços públicos? Por que estão criando privilégios para empresas e excluindo os trabalhadores ambulantes que ocupam o espaço público há anos como forma de sobreviver às desigualdades sociais e à falta de emprego?

Assinam esta nota:
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Agência de Desenvolvimento Solidário – CUT
Central de Movimentos Populares
Carlos Freire, pesquisador e representante da USP no GT dos Ambulantes

Movimento Moradia Para Todos

Comitê Popular da Copa
Projeto Arquitetura da Gentrificação

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