Investigação por monopólio de papel fica de fora do noticiário sobre Clarín

Passada uma década do “Corralito” , a crise institucional que abalou a economia Argentina em 2001, o noticiário sobre país vizinho na velha mídia brasileira foi povoado pela ação policial […]

Passada uma década do “Corralito” , a crise institucional que abalou a economia Argentina em 2001, o noticiário sobre país vizinho na velha mídia brasileira foi povoado pela ação policial na redação do jornal Clarín na terça-feira (20). Com termos como “ocupação”, “invasão” e “ameaça a liberdades” (de imprensa ou de expressão), a cobertura apresenta um cenário de censura e cerceamento aos meios de comunicação no país governado por Cristina Kirchner.

A notícia inicialmente circulou a partir das informações do próprio Clarín na internet, apresentando a informação de que 50 militares invadiram a sede da Cablevisión (conglomerado de mídia que mantém o jornal, além de canais de TV) por ordem da Justiça da cidade de Mendoza, a mil quilômetros de Buenos Aires. Um vídeo foi exibido em telejornais brasileiras, sugerindo que os profissionais foram expulsos da redação durante a ação.

A presença das forças de segurança foi motivada oficialmente por uma denúncia de “abuso” de poder associado ao monopólio de papel mantido pela empresa Prensa Papel, única produtora da matéria-prima usada para imprimir jornais e revista. A queixa foi apresentada pela empresa Supercanal, do grupo Grupo Uno, conhecido como Vila-Manzano – visto como aliado do governo.

Desde 1976, durante o governo militar argentino, o Clarín tornou-se um de seus sócios majoritários (49% das ações). Participam ainda do empreendimento outro jornal do país, o La Nación, com 22%, e o Estado, com 27,49%. A formação do quadro atual tem um episódio conturbado de acusação de extorsão à família de David Graiver, que controlava parte das ações. A viúva do empresário afirma que o marido sofreu extorsão por meio de prisões de familiares e sequestro de bens por agentes da ditadura do país – tudo para pressioná-lo a vender sua participação.

“Esta propriedade cruzada é sem dúvida nenhuma um risco à pluralidade e à diversidade da informação na Argentina, uma vez que quem controla a matéria-prima tem interesses comerciais para além da venda do papel”, escreveu a jornalista e diretora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé Renata Mielli em seu Janela sobre a palavra. Embora o Brasil sofra com a concentraçaõ na produção de papel jornal – nas mãos da norueguesa Norke Skog – não ocorre a propriedade cruzada nesse aspecto.

Reeleita em outubro e empossada para o segundo mandato em novembro, a presidenta Cristina Kirchner conseguiu aprovar na Câmara, em 15 de dezembro, um projeto para declarar a produção, venda e distribuição de papel jornal como áreas de “interesse público”. A matéria precisa passar ainda pelo Senado. A iniciativa desagradou os sócios privados, que teriam de vender a participação conforme os termos da proposta.

Segundo Martín Becerra, pesquisador de políticas, planejamento e concentração de meios de comunicação, o controle da empresa pelos principais compradores é uma situação “anômala”, se comparada à de outros países do mundo. “Não sei da existência, em nenhum lugar do mundo, desta situação, onde o Estado é sócio das duas principais empresas jornalísticas na única fornecedora de papel-jornal do país. É uma situação única”, disse o especialista ao OperaMundi.

O governo sustenta que o controle da produção de papel foi resposável pelo fechamento de jornais no país, acusando os sócios majoritários de praticar preços mais elevados para outros compradores (os concorrentes), além de restringir a venda em períodos de escassez. “Historicamente vários competidores se queixaram, criticaram o fato de que, segundo eles, se viram discriminados na hora de participar do mercado de compra de papel”, afirma Becerra.

Embora discorde de aspectos do projeto, especialmente no que diz respeito à manutenção de cotas de importação de papel em vez de abrir o mercado argentino, Becerra explica que o fato de o governo Cristina Kirchner levar a questão adiante é uma das razões para sua popularidade. A questão estava colocada há pelo menos 35 anos (desde a criação da empresa) mas não foi enfrentada por governos anteriores. “É verdade que às vezes o governo toma decisões arbitrárias, feitas rapidamente, sem consenso com a oposição. Mas também é verdade que avançam em questões que merecem profundas transformações.”

Além do projeto sobre o mercado de papel jornal, o governo argentino aprovou, em 2009, a “Ley de Medios” (Lei dos meios de comunicação), estabelecendo restrições à propriedade cruzada de veículos de mídia e outras restrições à concentração econômica no setor. Em função da iniciativa, Cristina Kirchner foi acusada de ameaçar a liberdade de imprensa no país. A reforma das comunicações incluiu até a transferência à TV pública dos direitos de transmissão de partidas de futebol, o que desagradou interesses dos principais grupos do setor.

 

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