Custo e benefício da coalizão governista em uma semana difícil de esquecer

Ou: por que tanto petista melindrado

Brasília – A semana em Brasília foi marcada por um clima de beira de crise no Congresso Nacional, envolvendo uma figura central do governo. Ainda teve dois episódios desgastantes para a imagem da gestão Dilma Rousseff com setores mais à esquerda ou mais progressistas da sociedade brasileira. E princípios de divisões na base de sustentação no Legislativo. O alerta de incêncio soou a ponto de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter ido a Brasília apaziguar ânimos e costurar soluções sem ter sido exatamente convocado.

A sequência dos fatos mostrou, de forma emblemática, custos e benefícios de um governo de coalizão que conseguiu uma maioria no Legislativo como nunca antes na história da República. Se os custos foram dolorosos para petistas – incluídos tanto os com mandato como os filiados –, os benefícios, de tão amargos, até mereciam estar entre aspas.

Na terça-feira (23), a Câmara Federal aprovou o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para o novo Código Florestal com imposições colocadas pela bancada ruralista. No mesmo dia começou a eclodir o que parecia ser uma rebelião de outra frente, a evangélica, contra o kit do Ministério da Educação que combate a homofobia nas escolas – que culminaria em veto ao material, apesar das suspeitas de que a cartilha reprovada fazia parte do “kit errado”.

E isso tudo em uma semana em que a base governista permanecia alerta para barrar requerimentos da oposição que tentavam convocar Antonio Palocci, ministro-chefe da Casa Civil, a toda e qualquer comissão no Congresso, para manter vivas as suspeições sobre seu enriquecimento.

Para o PT, partido declaradamente de esquerda que lidera uma coalizão que conta com pelo menos 60% de parlamentares autoidentificados com a centro-direita, os dois primeiros itens elencados são custos; o último, aproxima-se do benefício.

A coligação costurada por Lula para eleger Dilma Rousseff garantiu uma base de 461 dos 513 deputados e 54 dos 81 senadores. Mas quando o assunto interessa aos ruralistas, está bem claro que a base vai se comportar a partir de outros preceitos.

No Código Florestal, além dos partidos que abrigam deputados ligados ao agronegócio, PCdoB e parte do PSB, aliados históricos de primeira hora do PT e alinhados à esquerda também acompanharam o intento ruralista (ressalva feita à Emenda 164, na qual o PSB votou com o governo). Enquanto isso, a maior parte dos deputados do PT mantinha-se, por convicções ideológicas, alinhados à posição de legendas da oposição como PSOL e PV.

No caso da bancada evangélica, um frente com menor poder de articulação do que a ruralista, o barulho foi suficiente para fazer parar uma das ações do governo contra a homofobia. Colocando-se em perspectiva que o primeiro a “denunciar” o material do MEC destinado a escolas foi o ultraconservador assumido Jair Bolsonaro (PP-RJ), o peso do recuo até aumenta para defensores de direitos humanos. Vale lembrar que são do PT cinco dos oito parlamentares que iniciaram a articulação para reestabelecer a Frente Parlamentar Mista por Cidadania LGBT.

Benefício?

Ambos os casos têm, como pano de fundo, um agravante que vinha se tornando crônico. Apesar de tanta maioria nas duas casas legislativas, o governo vinha produzindo uma insatisfação crônica da base, por não garantir aos parlamentares “agendas” com os ministros, além de manter, na função das Relações Institucionais, a figura de Luiz Sérgio, cujo estigma de ministro fraco e sem poder – imagem contra a qual não tem esboçado reação. E some-se ao bloco dos queixosos o contingenciamento de emendas orçamentárias em decorrência da política de ajuste fiscal e disputas pontuais por cargos de escalões mais baixos.

Se a coalizão nesta semana fez muito partidário do PT sentir que o partido ganhou mas não levou a Presidência, o benefício faturado deixa melindres aos montes. Palocci acumulou mágoas e ressentimentos no partido por sua visão sobre a política econômica no primeiro governo Lula, mas seu histórico na legenda e seu papel de interlocução junto a setores empresariais garantiram-lhe posição respeitável e até inabalável. Tanto é que galgou ocupar cargo de grande centralidade no governo Dilma.

Mas as revelações de enriquecimento no exercício de mandato público são um pecado difícil de perdoar para a militância e até para parlamentares do PT. O aumento de patrimônio fruto do salário é até tolerada. Já o acúmulo de função pública com uma atividade particular (ainda mais uma tão fortemente atrelada ao dinheiro) não. Mesmo que todo o processo tenha se dado dentro da lei e das orientações da Corregedoria Geral da União.

A tática de que a melhor defesa é o ataque é uma constante em qualquer gestão, até para desqualificar o opositor. Mas poucas vezes ela veio tão a calhar. Como escudar alguém que muita gente gostaria de condenar? Expoentes petistas trataram de criticar a violação de sigilo da empresa, atribuída à prefeitura de São Paulo, ou de citar o aumento patrimonial da filha do ex-governador José Serra (PSDB-SP), cujo capital social aumentou milhares vezes por uma alteração contratual.

Próximos capítulos

Como pouca gente se arrisca em Brasília a determinar a direção do caso Palocci. Boa parte dos rumos depende dos esclarecimentos prestados pelo ministro à Procuradoria Geral da União. É líquido e certo que as informações serão devidamente vazadas à imprensa (sem nem precisar de Wikileaks), em doses suficientes para engrossar tanto quanto possível o “caldo de crise” estabelecido.

A base conseguiu, até agora, que o Congresso não trouxesse Palocci para falar sobre seu enriquecimento  e as ilações de tráfico de influência e conflito de interesses entre as atividades de consultor empresarial e ministro-chave. Apesar do barulho, não há paralisia de atividades nem entraves para fazer andar parte das matérias de interesse do governo. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), orgulhava-se de dizer que, na quarta-feira, quatro medidas provisórias foram aprovadas – “Um recorde”, celebrou em conversa com jornalistas na quinta-feira (26) apesar de a MP 521 do Regime Diferenciado de Compras (RDC) para obras da Copa tenha ficado para depois.

O fato é que declarações pouco convincentes de Palocci podem tornar mais difícil a garantia do tal benefício da coalizão. Se esse for o caso, tende a engrossar e até entornar o caldo para o lado do governo.