A culpa

Saudação nazista: o que é isto, companheiro?

Desde a Constituição de 88 o Brasil avultou como modelo na geopolítica mundial. Hoje, se vê com um governante alvo de rejeição mundial

Alemães realizando a saudação nazista. O culto ao líder é uma das características de regimes totalitários

Sou leitor assíduo, sempre que posso, do correspondente da mídia brasileira na Suíça, Jamil Chade. Artigos sempre interessantes, bem fundamentados, pontos de vista com equilíbrio, cultura democrática.

Fiquei chocado com seu último artigo que li. Diz ele que chegou na padaria onde costuma comprar seu pão, e que a senhora que o recebe costumeiramente, perguntou-lhe se deveria fazer a saudação nazista para cumprimentá-lo, depois do episódio Alvim/Goebbels.

Ele levou o comentário numa leve, dizendo que tratava-se de uma ironia, posto que era freguês da padaria e da senhora. Mas há um detalhe que não se pode subestimar.

Tivesse esta senhora feito o mesmo comentário para um conterrâneo europeu, ela provavelmente seria presa, processada, e a padaria perderia o freguês. Porque acusar, mesmo que levianamente, alguém de parceria com nazismo, por aqui, é crime. Inclusive de brincadeira. Contravenção, no mínimo.

Apesar dos movimentos neo-nazis campearem. Apesar da militância do Salvini e do AfD aqui na Alemanha.

Mas nós, a maioria dos brasileiros, costumamos levar tudo numa cordial. E assumimos a culpa.

Se 57,7 milhões de brasileiros votaram num idiota para presidente, se 42 milhões decidiram se abster, ou votar branco e nulo, lavando as mãos (descontando os que realmente não podiam ir votar), esquecemos os 47 milhões que votaram pela democracia, e preferimos cair no pranto de que mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa

Há algo aí que não bate, digamos.

O que não bate é o Brasil. De “locus privilegiado”, durante os governos oriundos da Constituinte de 88 (não vou me referir apenas aos governos do PT), o Brasil passou hoje a alvo de todos os preconceitos contra os povos do terceiro mundo.

“Voltou ao seu lugar”, por assim dizer: país atrasado, povo de segunda, “país não sério”, conforme a frase atribuída ao General De Gaulle, ou pior, ao embaixador brasileiro de então na França, Carlos Alves de Souza Filho, que não apreciava a atitude soberana do país que deveria representar durante a chamada “Guerra da Lagosta (1961-1964”).

Desde a Constituição de 88 o Brasil avultou como um país modelo de política social, ambiental e diplomática na geopolítica mundial. Sede do principal encontro ambiental do século 20 (Rio-92), berço do Fórum Social Mundial (Porto Alegre-2003), líder diplomático no Acordo de Paris de 2015, vetor – apesar de tudo – do acordo internacional sobre o programa nuclear do Irã, dentre outras presenças e realizações, o Brasil hoje se vê na situação de ter um governante, eleito por milhões de mentecaptos, ridículo e alvo de rejeição mundial.

Mas isto não nos obriga a engolir perguntinhas sarcásticas sobre saudações nazistas, onde quer que sejam feitas.