Opacidade

As complicações lava-jateiras, agora em sabor internacional

Segundo Flávio Aguiar, participação, mesmo que apenas consultiva, da organização Transparency International por meio de seu representante no Brasil pode significar uma pá de cal na sua reputação

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

É difícil qualificar as ações dos lava-jateiros, sobretudo da dupla Sergio Moro e Deltan Dallagnol. O primeiro fez, não faz muito, uma estranha viagem aos Estados Unidos, cujos contornos não ficaram bem esclarecidos até hoje. Agora sem mais aquela pede licença para tratar de questões particulares, em meio à turbulência provocada pela Vaza Jato. O segundo se recusa a ir ao Congresso Nacional, alegando que seu trabalho é técnico e o debate na casa legislativa é político. Fica no ar a pergunta, entre um turbilhão de outras: ajudar a queda de Nicolás Maduro na Venezuela é um trabalho “técnico”?

Por um lado, os dois mostram inesgotável arrogância, parecem senhores da chuva e do vento, que navegam acima de contradições, não reconhecem haver quaisquer malfeitos no pantanal labiríntico em que se meteram com as inúmeras irregularidades jurídicas que cometeram que os tornam passíveis de serem acusados de violar a Constituição e agora até mesmo leis internacionais.

Por outro lado, parecem fujões acovardados diante das perguntas para as quais negam sistematicamente ter qualquer resposta, além de afirmarem peremptoriamente que nada têm a responder, nem mesmo podem fazê-lo, já que, alegam, destruíram as evidências que poderiam inocentá-los ou acusá-los. Sergio Moro alega ainda padecer de substancial e grave amnésia, tendo esquecido tudo o que conversou com os procuradores, durante o procedimento jurídico mais importante de sua vida.

Para complicar, as últimas revelações são contundentes quanto à violação das regras do direito internacional e da própria Constituição Brasileira, que, nos incisos III e IV de seu artigo 4º, proíbe a intervenção política nos assuntos internos de outros países. Novamente, ressalta aos olhos a ambiguidade das atitudes: de um lado, só lhes resta mesmo a fuga do debate e dos esclarecimentos; de outro, é de pasmar que ainda estejam nos seus cargos. Para completar este quadro estupefaciente, um deles foi recompensado com um ministério e galardoado pela Ordem do Mérito Naval (o coitado do Almirante Tamandaré deve estar se revirando no túmulo), enquanto o outro pode vir a ser premiado com a indicação para a Procuradoria-Geral da República, segundo a boataria corrente na capital e no país.

Mas há mais no ar, além desta retumbante colisão com a lógica e os princípios éticos apresentada por estes silêncios nada obsequiosos da dupla. É que sua incipiente incursão pela aventura venezuelana envolveu, além da opinião do sempre alerta FHC, a participação mesmo que apenas consultiva (mas pode ter sido também financeira, segundo as revelações da Vaza-Jato) da organização Transparency International (Transparência Internacional), por meio de seu representante no Brasil. Para a Transparency, isto pode significar a pá de cal da sua reputação, já comprometida pelo prêmio dado à Lava Jato em 2016, recebido com estardalhaço por Dallagnol em Berlim, sede da organização. Junto com outras pessoas, escrevi à Transparency cobrando que deveriam cancelar o prêmio dado, e recebi em resposta cópia de uma declaração da organização cujo link está aqui. Na minha interpretação, ficaram na expectativa, mas sentiram o golpe. Agora não sei como reagirão diante da revelação de que seu representante no Brasil se envolveu em tamanha confusão internacional.

A Transparency mantém uma publicação anual de uma lista classificatória de países em termos de maior ou menor índice de corrupção. Reconheço o direito da organização ter seus próprios critérios para tanto, mas confesso que não concordo integralmente com eles. Parecem levar em conta tão somente os organismos e a intervenção do Estado e seus agentes nos países analisados. Não parecem levar em conta a omissão do Estado e de seus agentes ou outras agências de corrupção e fraudes gigantescas, como no sistema bancário e financeiro, por exemplo. Só assim se explica que países do chamado “Primeiro Mundo”, que são reconhecidamente verdadeiros “buracos negros” onde se ocultam capitais “sujos” do mundo inteiro ou por onde eles transitam em direção a paraísos fiscais, estejam no topo da lista de países menos corruptos do planeta. Mas este é um problema de critérios. Agora, vir a participar, mesmo que apenas de oitiva, de uma conspiração para derrubar um governo, violando o direito internacional e a própria Constituição Brasileira, são outros quinhentos.

A Transparency que se explique.

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