jogo de influência

Trump, Putin, Boris Johnson e outras turbulências europeias

Diferentes politicamente, presidentes de Rússia e Estados Unidos têm algo em comum: o desejo de enfraquecer a União Europeia

Shealah Craighead/The White House
Shealah Craighead/The White House
Em política não há campo vazio. Onde a esquerda se ausenta, cresce a extrema-direita. Ela tem o mesmo objetivo de Trump e Putin: esvaziar a União Europeia

Trump e Putin têm estilos muito diferentes, mas um alvo em comum, pelo menos hoje em dia. Putin é um jogador de pôquer. É difícil saber o que, de fato, ele está pensando por trás daquela cara, não de pau, mas de marfim, que ele exibe quando fala. Mas é um jogador frio, ponderado, que não blefa. Tem ações meritórias: conceder asilo a Snowden. Outras de demérito: apoiar Bashar Al-Assad na Síria, e estar de namoro com Erdogan, na Turquia. Além de receber mensagens sedutoras de Matteo Salvini, da Itália. Trump é um jogador de roleta russa (a expressão cai bem, devido às denúncias de conluio para sua eleição nos Estados Unidos), mas com o revólver sempre apontado para o ouvido… dos outros. Estou lendo o livro “Fear”, de Bob Woodward (com Carl Bernstein, autor de Todos os homens do presidente e da denúncia que acabou com o governo de Nixon, que renunciou em agosto de 1974).

O Trump que aparece ali é um cara fixado em dinheiro, imprevisível, perigoso, mas que cai bem para o sistema político norte-americano, completamente corrompido, cujos personagens são moralmente corroídos, e para quem a grande preocupação é a do que vai acontecer com perdas ou não de american lives. Embora estas sejam, é claro, preciosas como todas as vidas humanas, a desproporção é evidente: o resto é estatística, sejam crianças do Iêmen ou mulheres na Síria. A menos que estas mortes sejam provocadas por quem possa ser considerado inimigo dos Estados Unidos, como Assad. Aí pranteia-se, lamenta-se, durante  linhas e linhas. Nada há de meritório nas ações de Trump. Tudo é negativo.

Mas como eu dizia, ambos têm algo em comum: o desejo de enfraquecer, abalar (destruir?) a União Europeia. Os motivos podem ser diferentes. Para Trump, a União Europeia atrapalha sua guerra fiscal com a China, além de tarifar produtos norte-americanos. Para Putin, a União Europeia protege estados que ele vê como beligerantes contra a Rússia: os do antigo Leste Europeu, que ele deseja reconquistar para sua esfera de influência.

Quem está em ação agora é Trump. Desembarcou no Reino Unido deitando falação sobre o que seria melhor para este país, interferindo na sua política interna, atacando o prefeito (muçulmano) de Londres, promovendo o hawk (falcão) Boris Johnson como a melhor opção para suceder a Theresa May no comando do Partido Conservador e do Reino Unido. E não se trata de uma republiqueta de bananas, como o Brasil de hoje, sob Bolsonaro. Trata-se da terra da Rainha, aquela que reina, mesmo sem governar, mas segue sendo a Rainha! É verdade que seu Reino vai mal. O ex-primeiro ministro David Cameron aprontou um plebiscito sobre a saída da União Europeia para equilibrar-se dentro de seu partido, acho que ganharia. Perdeu, levou uma lambada e jogou seu Reino numa lambança sem precedentes.

Agora o candidato melhor posicionado para suceder a fracassada Theresa May é o imprevisível-previsível Boris Johnson. Imprevisível: como Trump, ele é impulsivo. Previsível: ele é de extrema-direita, como o italiano Matteo Salvini que, aliás, este em visita aos EUA e reafirmando sua lealdade ao ideário de Trump, não apenas quanto a imigrantes, mas também quanto a proteger os ricos dos impostos cobrados pelo Estado.

Se Johnson vencer, isto poderá significar a realização de um dos objetivos comuns de Trump e de Putin: uma saída litigiosa do Reino Unido para fora da União Europeia, causando um estado algo confuso e caótico no que se refere a acordos fiscais, políticos e de direitos humanos. A União se tornará uma espécie de Arca de Noé cujas tábuas começam a se despregar da estrutura central, com consequências imprevisíveis, entre elas a do naufrágio e do mergulho em confrontos intermináveis.

A União Europeia foi um projeto gestado durante o período em que a social-democracia era a força maior hegemônica no continente, pelo menos do seu lado ex-Ocidental. Assim ele foi implantado. Parecia que os frutos viriam naturalmente. Entretanto no meio do caminho a União Soviética derreteu e com ela a própria Social-Democracia. Os Partidos Social-Democratas e Socialistas se renderam ao neo-liberalismo, aplicaram suas “reformas” e foram se tornando progressivamente irrelevantes.

O caso extremo é o da presente crise do Partido Social-Democrata alemão, que se transformou numa espécie de apêndice da União Democrata-Cristã, da chanceler Angela Merkel.  Na eleição de maio deste ano para o Parlamento Europeu ele obteve o pior resultado de sua longa história (fundado em 1863): pouco mais de 15% dos votos, terceiro lugar, atrás dos Verdes. É verdade que a cada tentativa destes partidos para se reerguerem de suas próprias cinzas, indo para a esquerda, cai-lhes em cima a campanha da mídia mainstream, que define tudo o que se afasta do ideário neo-liberal como “populista”.

Na última eleição federal na Alemanha, o SPD (sigla em alemão), sob a liderança de Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu e um político da centro-esquerda do partido, tentou colocar-se como um partido de oposição à CDU (sigla do partido de Merkel). Diante do resultado e do fracasso de uma frente formada entre a CDU, a CSU bávara, o FDP liberal e os Verdes, o SPD foi chamado “à sua responsabilidade’. Rendeu-se mais uma vez, e permaneceu sendo um puxadinho dos partidos de Merkel e Horst Seehofer, líder da CSU da Baviera.

No Reino Unido, a liderança mais à esquerda de Jeremy Corbyn, dentro do Labour britânico, é constantemente bombardeada como “antissemita’, por declarações dele em favor da causa palestina. Mesmo dentro de seu partido há saudosos da “Terceira Via” de Tony Blair, que apoiou a invasão do Iraque. Por sua vez, o Partido Socialista Francês é um naufrágio, os da Escandinávia foram para a direita, no antigo Leste Europeu eles não prosperam. Há uma renascença deles na Península Ibérica, e o Papa continua sendo um social-democrata de batina branca.

Mas em política não há campo vazio. Onde a esquerda se ausenta, cresce a extrema-direita. Ela tem o mesmo objetivo de Trump e Putin: esvaziar a União Europeia.

Podemos estar assistindo o prólogo de uma grande catástrofe. A União Europeia, hoje neo-liberal, pode estar abrindo caminho para a extrema-direita. Neste campo os políticos emergentes são jovens, entre 30 e 40 anos, empreendedores e muito mais radicais do que Marine Le Pen e Geert Wilders. Se tiverem sucesso e conseguirem suplantar a geração anterior, não nos iludamos: a Europa mergulhará numa era de “trevas iluminadas” – pelas telas digitais de Steve Bannon e cia. ilimitada.