Medo

O que o livro ‘Fear’, de Bob Woodward, nos ensina sobre Trump – e Bolsonaro.

Com detalhes sobre o dia a dia de Trump, diálogos e documentação inédita, livro traz um íntimo retrato sobre o primeiro ano do presidente americano, com "evidentes" paralelos no Brasil

White House/Joyce N. Boghosian
White House/Joyce N. Boghosian
Uma conclusão se impõe: Trump é, de fato, um mentiroso, o político perfeito para a era das fake news, E quem trabalha com ele, se não é, vai se tornando um mentiroso também

Terminei de ler o livro Fear, do jornalista Bob Woodward, sobre o primeiro ano do governo Trump. Que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é temperamental, emocionalmente instável, impulsivo, obsessivo, e outros adjetivos assim, é coisa conhecida. Mas além disto ele é: dono de uma natureza errática; ignorante; um idiota; incapaz de aprender qualquer coisa; presunçoso; estúpido; retardado; louco; perigoso; distraído; incapaz de ouvir alguém por mais do que 30 segundos; ou de ler mais do que uma página de 30 linhas sobre qualquer coisa; viciado em TV, sobretudo nos canais que o elogiam; impiedoso; traiçoeiro; sem escrúpulos; desleal; inescrupuloso; sem ideia sobre como um governo deve funcionar; finalmente, um mentiroso profissional,  aliás, um f… da p… de um mentiroso (fucking liar). Precisa mais?

Mas calma, estas não são palavras minhas. Nem mesmo de Bob Woodward, o autor do livro. De acordo com suas fontes, são as palavras usadas para descrever o presidente dos Estados Unidos por seus auxiliares mais próximos.

O presidente não fica atrás. Fala dos seus auxiliares, sobretudo aqueles que demitiu ou que o deixaram, como retardados, desleais, burros, fracos, desmiolados, vigaristas, e por aí vai.

O livro de Bob Woodward, um dos mais considerados jornalistas de Washington, é um paradoxo. Ele é, ao mesmo tempo, um livro muito interessante e muito chato de se ler. Muito interessante: é um livro bem escrito, ágil, simples de se ler, e pelo visto muito bem documentado. Chato: ocorre que o protagonista, Donald Trump, é extremante chato. E seus auxiliares são também muito e cada vez mais chatos. Trump vai alijando ou obtendo a renúncia de quaisquer de seus auxiliares que demonstrem um pingo sequer de inteligência ou de independência. Vai fazendo do governo algo igual a ele: irremediavelmente estúpido. Neste sentido, parece Bolsonaro. Vai se isolando cada vez mais de suas parcerias que não sejam estritamente iguais à sua estupidez contumaz e repetitiva. Ou será o contrário: Bolsonaro é que vai imitando Trump? Esta segunda hipótese parece ser a mais verdadeira.

Além de dissecar a figura de Trump, o livro de Woodward exibe algumas das entranhas inerentes ao Estado norte-americano. Por exemplo, a obsessiva preocupação com american lives. É claro que a vida de cidadão norte-americanos é importante, assim como qualquer outra vida. Mas não. Aquelas são mais importantes. O resto, crianças e mulheres no Iêmen, refugiados na Síria, civis no Afeganistão são estatísticas. Só contam se suas mortes foram provocadas por quem os Esutaods Unidos possam declarar como inimigos, como Bashar Al Assad.

Assassinatos? Um dos auxiliares de Trump diz, sobre o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un: (p. 282): “A China deveria mata-lo e substitui-lo por um general que eles pudessem controlar”.

Na p. 221, diz Trump sobre o Afeganistão: “Quando vamos vencer alguma guerra? Vocês [seus auxiliares] deveriam estar matando alguém. Não precisamos de qualquer estratégia para matar gente”.

Há também as obsessões de Trump. Poderiam ser resumidas em três palavras: Money, MOney, MONEY. Elas explicam sua obsessão por reduzir os impostos sobre os lucros das empresas, romper acordos que signifiquem gastos dos Estados Unidos que favoreçam seus aliados, e aumentar os impostos sobre produtos do estrangeiro para favorecer os industriais norte-americanos, uma espécie de protecionismo que penaliza os mais pobres, porque encarece o custo dos produtos que estes têm de comprar. Esta é uma característica do governo de Trump: na retórica, dizer que vai proteger os mais pobres, aumentando empregos; no bastidor, favorecendo estupidamente os mais ricos, poupando-lhes impostos. Aliás, como mostra o livro, a única realização de fato importante no primeiro ano do governo de Trump foi a reforma tributária, favorecendo empresas e os mais ricos.

Uma conclusão se impõe: Trump é, de fato, um mentiroso, o político perfeito para a era das fake news. E quem trabalha com ele, se não é, vai se tornando um mentiroso também.

Os paralelos com o Brasil são evidentes por si mesmos. Bolsonaro imita Trump. Tem ele razão em fazer continência à bandeira norte-americana, ao John Bolton, que representa o pior de Trump, se é que este tem algo de melhor, e em manifestar seu servilismo provinciano ao presidente norte-americano. São vinagre da mesma cepa, embora Bolsonaro seja uma versão descorada e desbotada de seu líder. E também mais limitada. Trump é uma mistura de Bolsonaro, Guedes e Moro: entende de tudo, fala sobre tudo, e desqualifica quem discordar dele.

Outra observação importante: o livro de Woodward (um dos desvendadores, com Carl Bernstein, das tramas de Watergate) recebeu muitas resenhas, elogiosas, críticas ou ambas as coisas ao mesmo tempo. A ninguém, na mídia norte-americana, ocorreu questionar a veracidade de suas afirmações, ou exigir que “desprotegesse” suas fontes, um dos pilares da democracia informativa. Ninguém é Moro ou Rede Globo por lá, embora possam ter também suas idiossincrasias, preconceitos e preferências ideológicas.

Última observação: olhando a coleção de personagens citados (Woodward à parte), estamos sendo governados, em escala mundial, por psicopatas presunçosos e idiotas.