sob riscos

Brasil: retomada do passado conta uma história do futuro

Mundo financeiro se mostra cauteloso sobre a eleição de Bolsonaro. Os problemas da recessão brasileira são imensos e nada indica que o futuro presidente vá enfrentá-los de maneira eficiente

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Futuro de eleitores de Bolsonaro será como foram os de Collor: sumirão após o desencanto com o novo governo

Li, vi e ouvi várias repercussões da vitória de Bolsonaro. Como a mídia internacional, mesmo a conservadora, não padece dos cacoetes de censura da mídia mainstream nacional, a mensagem é clara: do direitista Wall Street Journal ao Junge Welt, da esquerda berlinense, passando pelo centrista The Guardian, a extrema-direita assumiu o controle da Presidência do Brasil. Sem disfarce.

Mas duas das manchetes me chamaram a atenção:

A president with authoritarian impulses must be confronted by a united democratic opposition (Um presidente com impulsos autoritários deve ser confrontado por uma oposição democrática unida)

Brazil puts faith in Bolsonaro’s conversion to free-market (Brasil dá crédito à conversão de Bolsonaro ao livre mercado)

A primeira, pasmem, não é de algum jornal de esquerda nem de centro-esquerda. É da The Economist, vetusta defensora de valores neoliberais na economia. A segunda é do Financial Times, apontando a aposta em que, apesar de seus instintos ou impulsos anti-democráticos (devidamente ressaltados também pelo FT, afinal ele é um jornal sério e de respeito), Bolsonaro possa representar alguma vantagem para os interesses financeiros hoje hegemônicos na geopolítica mundial.

Ambas têm um ponto em comum: mostram a cautela com que mesmo o mundo financeiro vê a eleição de Bolsonaro. O esperado rio de financiamento internacional não vai fluir assim tão rápido, como gostariam os corujas da candidatura mais despreparada que já houve à presidência do Brasil, pior mesmo que a de Fernando Collor em 89.

Os problemas da recessão brasileira são imensos. Nada indica que Bolsonaro vá enfrentá-los de maneira eficiente. Pelo contrário. Seu governo, claudicante na cena internacional, apoiado por uma multidão que votou nele “de olhos fechados”, embriagada pela maior indústria de fake news já posta em marcha numa eleição, e também por uma escória radioativa de saudosos da ditadura militar, tem tudo para ser um fracasso.

Claro está que os tais “impulsos autoritários” vão reforçar o cerco à mídia – seja ela a alternativa, seja ela, e isto não vai ser novidade, a tradicional – no esforço de conter a divulgação dos impasses e fracassos. Mas eles vão acabar acontecendo. E aparecendo.

Sem falar na ambição familiar que o cerca. E outras ambições, como a de um juiz que almeja uma nomeação para o Ministério ou o Supremo, depois de provocar sua ascensão como a “Mãos Limpas” provocou a de Berlusconi na Itália. Cada uma das operações (no Brasil, a Lava Jato) ajudou a trazer à tona o que cada país tem de pior, e não me refiro às investigações, de resto parciais politicamente, sobre corrupção.

Além disto, Jair, o impulsivo, fez Bolsonaro, o calculista, pisar na bola. Em seu discurso no dia 21 ele disse que Lula iria “apodrecer no cárcere”. A frase, que poderia cair bem na boca de algum personagem de Alexandre Dumas, dos malignos, no século 19, não deixa de ser uma ameaça, dita assim por um capitão reformado e de carreira militar fracassada, um deputado de segunda mão, de 63 anos, contra um idoso quase 20 anos mais velho do que ele.

Isto ainda será visto como imperdoável – porque é imperdoável, além do mais dita por alguém que não tem poderes para determinar a condenação, a menos que se arvore a alcançar poderes ditatoriais. O que pode muito bem ser o caso.

O maior risco que corremos no momento é a frente anti-fascista (também ressaltada na mídia internacional, e positivamente) que se esboçou, ruir. Tem muitos motivos para ruir, e aqui vamos falar das franquezas necessárias.

A ambição de políticos de ocupar o espaço deixado pela eventual ruína do PT provocada pela perseguição implacável que virá. A obtusa posição de nossa mídia mainstream, sempre provinciana e anacrônica. A má-vontade de parte da cúpula petista com a liderança de Fernando Haddad, que se revelou um líder eficaz, conseguindo 47 milhões de votos numa primeira eleição presidencial que disputou.

Também a dificuldade geriátrica de se aceitar a emergência de novas lideranças, como a de Manuela e Boulos. O Judiciário judicioso sobre suas prerrogativas e seus privilégios de toga e classe. O rezingar de Ciro. A preocupação de FHC com seu verbete na futura enciclopédia não se transformar numa mera introdução pálida ao de Lula. Etc. e muitos outros riscos.

De qualquer modo, com seus “impulsos” – entre eles o de repartir o poder das armas com a população em geral e acreditar nisto como algo eficaz contra o crime – Bolsonaro deixará cicatrizes indeléveis no Brasil. Já deixou. Foram as eleições mais violentas da história recente. Tem dois mortos na conta. Um esfaqueado, outro fuzilado.

Põe nosso Brasil na berlinda do anacronismo, longe da promessa de colocá-lo em posição de destaque na cena internacional, com a ridícula afirmativa de instaurar um Itamaraty “sem ideologias”, cuspindo na memória de Rio Branco. Aliás, o Brasil já está em posição de destaque: na de pária político. Temer e Serra/Aloysio levaram a política externa brasileira à irrelevância. Bolsonaro vai levá-la ao ridículo.

Um fracasso: é o que espera Bolsonaro logo ali na esquina. Resolver o problema do desemprego? Do combate ao crime organizado? À corrupção? Descortinar novos mercados para o Brasil? Só tolos e tolas acreditaram nisto.

Mas as esquinas são curvas, cotovelos da história.

Contornada esta, prevejo que vai acontecer com ele algo que já aconteceu em relação a Collor. Findo o seu governo, me lembro de ter procurado arduamente alguém que nele tivesse votado. Não encontrei! Ninguém votara nele!! Color conseguira o milagre de ter milhões de votos sem ter eleitores que votassem nele!!!

Bolsonaro desfrutará do mesmo “milagre”. Quem sabe as pessoas que rezaram com ele na comemoração de sua vitória o beatificarão.