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A extrema-direita europeia comemora duas vezes nesta semana: Bolsonaro e Merkel

Para orgulho dos nossos nacionalistas de direita, as metodologias empregadas para impulsionar a eleição de nosso projeto de Führer ameaçam frutificar também no velho continente

Gabriela Korossy/Câmara dos Deputados – Sven Mandel/CC Wikimedia

Eleição de Bolsonaro é vista com desconfiança na Europa, onde a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciou fim da carreira, abrindo espaço para a extrema-direita também por lá

A extrema-direita europeia tem dois motivos para comemoração nesta semana. O primeiro é a vitória de Jair Bolsonaro na eleição brasileira. Depois da vitória de Trump nos Estados Unidos, é a maior vitória obtida pela extrema-direita no mundo, nos últimos anos. É certo que partidos radicais de direita obtiveram posições importantes na Europa, como na Itália, com a Lega (ex-Lega Nord) de Matteo Salvini. Estão presentes em outros governos, como na Áustria, na Hungria, na Polônia. Mas nenhum destes, com exceção da Itália, tem ou o peso político regional do Brasil, ou seu tamanho econômico.

Também devido ao sistema político que impera na maioria dos países europeus, estas vitórias políticas, como na Itália, tiveram que ser negociadas com outros partidos (o Movimento 5 Estrelas, no caso italiano). Provavelmente Bolsonaro terá de negociar seu futuro governo com outros partidos também, mas seu triunfo foi quase o de uma carreira “solo”.

Foi empurrado com ajuda da Lava Jato, da mídia mainstream brasileira, do golpe de 2016, dos tigres de toga no Judiciário, pelo antipetismo visceral de muitos políticos de outros partidos, mas ele não era o candidato favorito de muitos destes setores. Apresentou-se como um candidato anti-establishment, embora esteja mergulhado nele da ponta dos pés à dos cabelos. O maior argumento desta faceta de ser “contra tudo e contra todos”, foi seu estilo planejadamente tosco, primitivo, virulento, de recusar debates e a exposição de suas ideias, porque possivelmente não as têm claras mesmo.

Conseguiu assim, além de captar os votos dos viúvos e viúvas da ditadura militar, captar aqueles que provieram de descrentes no sistema político como um todo e dos ofuscados pela campanha de fake news, mentiras deslavadas de toda espécie, promovida nas redes sociais da internet e WhatsApp, sob o olhar leniente ou impotente de autoridades do sistema judiciário, que antes prometiam mundos e fundos contra elas.

Ganhou. Mas seu índice de rejeição na mídia liberal internacional é muito alto e, embora sua vitória tenha recebido cumprimentos protocolares, até o momento só vi entusiasmo com ela em Matteo Salvini, da Lega italiana, em Steve Bannon, esta mistura de Rasputin e Goebbels, e alguma acolhida mais calorosa por parte de Trump. Houve também a adesão prévia de David Duke, da Ku-Klux-Klan, entidade que esta enciclopédia da ignorância e da mistificação chamada Fernando Holiday  qualificou como “de esquerda”.

Até mesmo o mundo financeiro e alguns de seus arautos o encaram com desconfiança (The Economist) ou com cautela (Financial Times e Wall Street Journal). Liberais, como The Guardian, New York Times, Al Jazeera, e outros aqui na Alemanha e na França o vêem claramente como uma ameaça à democracia. Para seu governo não será fácil tirar o Brasil do isolamento político a que foi conduzido sob a batuta de Michel Temer. Ao contrário, suas posições anacrônicas (anti-comunismo doentio) ou doentias (anti-gays, mulheres, afros, indígenas, meio ambiente etc.) poderão levar o país ao ostracismo.

O segundo motivo de comemoração é a do anúncio, por parte da chanceler Angela Merkel, de que não pretende disputar a reeleição como líder da União Democrata Cristã (CDU), seu partido, prevista para dezembro. Merkel sempre defendeu que uma candidatura a chanceler (primeiro-ministro ou primeira-ministra no sistema alemão) deveria ser apoiada pela ocupação da liderança do próprio partido. Portanto, isto foi lido como indício ou até evidência de que a chanceler está aplainando o caminho para sua retirada definitiva da cena política alemã e europeia.

A extrema-direita comemora isto como uma vitória por dois motivos. O primeiro é que lê aí uma vitória eleitoral sua. Não ganharam as eleições recentes que disputaram na Alemanha, em nível regional, na Baviera e em Hessen, província que tem entre suas municipalidades a capital financeira da Europa, Frankfurt-am-Main. Mas tiveram suficiente força para roubar inúmeros votos tanto da CDU de Merkel, quanto da CSU (União Social Cristã), correspondente bávara daquela.

Além disto, ajudaram a provocar a desidratação dos votos do Partido Social Democrata (SPD) que migraram em direção ao Partido Verde, que renasceu das cinzas, ou melhor, das folhas a que estava parcialmente relegado. Pelo menos no caso da Baviera ficou comprovado pelas pesquisas que milhares de votos tradicionalmente da CSU migraram para o Alternative fUur Deutschland (AfD), partido de extrema-direita mas que quer se apresentar como tendo pedigree universitário e atestado de bom comportamento à mesa.

Além disto outros milhares de votos da CSU migraram para os Verdes, por parte da guinada mais à direita que o partido deu na tentativa de recuperar os votos que iam para o AfD. Os Verdes também “roubaram” votos do SPD, que, compondo o governo federal com a CDU e a CSU, tornou-se um puxadinho da política de Merkel. Quanto à eleição em Hessen, ainda não disponho de dados precisos sobre a migração de votos, mas o quadro deve ser parecido com o da Baviera.

O segundo motivo de comemoração é  que Merkel aparece como uma pedra no sapato na caminhada da extrema-direita em direção aos poderes nacionais não só na Alemanha, mas na Europa como um todo. Confesso que jamais votaria em Merkel ou no seu partido, por discordâncias de fundo. Mas devo reconhecer – e reconheço – que ela tem estofo de estadista e é uma persona política consistente, coerente, e verdadeira.

Merkel, que não deixa de ser habilidosa e matreira, não mente nem engana ninguém. É o que é, e mostra isto. Por comparação, eu diria que Merkel é uma Fernando Henrique de sucesso. Ela tem preocupação sim, pela imagem que terá na futura enciclopédia política do mundo. Mas não se apequena em nome disto, ao contrário, se agiganta. Ela tornou-se o fiel da balança da União Europeia tal como ela existe: neo-liberal em grande parte na economia, liberal na política, aberta no plano cultural. Discordo do primeiro item, aceito o segundo, assino embaixo do terceiro.

Acontece que os três são antagônicos da extrema-direita. Esta, em diferentes graus, quer uma Europa divididas em feudos nacionalistas (no sentido europeu, excludente), xenófobos, mais ou menos autoritários em grau de comportamento, embora formalmente pareçam respeitar as regras democráticas, e impondo os valores de uma supremacia europeia no campo cultural, sobretudo dentro da Europa, onde culturas “alienígenas” não serão bem-vindas, a não ser nas salas de museus ou nas prateleiras de produtos exóticos nas lojas de turismo.

Merkel, com sua visão estratégica de que é necessário abrir a Europa que envelhece a olhos vistos ao fluxo mais jovem de migrantes que querem migrar, por diferentes motivos, é uma pedra no sapato, um muro (desculpem a comparação berlinense típica) no caminho deste traçado de forças que, de diferentes países, querem remodelar o mapa da União Europeia, da Zona do Euro e da Europa como um todo.

Quem sucederá Merkel, na Alemanha e na Europa? Que Europa sucederá a de Merkel? Boas perguntas. Ainda sem resposta.

Esta extrema-direita ganhou um apoio importante, embora igualmente aceito em graus diversos, quando o famigerado Steve Bannon patrocinou a fundação de uma organização chamada de “Movimento”, em Bruxelas, para ajudar sua disputa, antes de mais nada, pelo Parlamento Europeu, nas eleições previstas para o ano que vem. Marine Le Pen e o AfD ainda torcem o nariz, por ser uma “intervenção norte-americana” em algo que deveria permanecer apenas “europeu”. Salvini, da Itália, aderiu com entusiasmo, assim como outros partidos, na Bélgica e na própria Itália.

Para estes aderentes, a experiência brasileira, com a vitória de Bolsonaro, foi fundamental, com métodos que pretendem aplicar por aqui (já testados no caso do Brexit e na eleição de Trump), com adaptações, é claro. Por aqui, falsificações como a de apresentar numa foto Dilma lado a lado com o barbudo Fidel Castro, quando ela teria onze anos de idade, não colariam. E seriam severamente punidas pelas autoridades judiciárias, o que não aconteceu no Brasil – para alguns “em nome da liberdade de expressão” –, mas seja por falta de vontade, seja por incompetência. Ou ambas as coisas.

Para orgulho dos nossos nacionalistas de direita (que também existem, pelo menos da boca para fora, já que de momento seu ideal parece ser o de entregar tudo de valor aos Estados Unidos, como logo antes e logo depois de 64), se as metodologias empregadas para impulsionar a eleição de nosso projeto de Führer também frutificarem por aqui, seria mais uma vez em que “a Europa se curvaria ante o Brasil”.