pedra no sapato

Vamos aprender com o Velho, antes de decidir sobre as eleições

Em 1945, Getúlio Vargas, após o golpe da direita, evitou apoiar algum candidato até poucos dias antes da eleição. Lula não precisa ter pressa para escolher seu 'sucessor' na eleição de outubro

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE S. PAULO

General Eurico Dutra (à direita), apoiado pelo presidente Getúlio Vargas, venceu as eleições de 1945

“Tinha uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tinha uma pedra”, Carlos Drummond de Andrade.

Quem é o Velho? Vargas, ora. Os tempos eram outros: 1945. Getúlio tinha 63 anos e já era “o Velho”. Mais velho ainda seria em 1950, reconduzido ao poder central, aos 68 anos.

Em 1945, ele tinha sido apeado do poder. Por um golpe de direita, diga-se de passagem, que engambelou algumas das esquerdas de então com promessas de redemocratização quando, na verdade, já tratava de alinhar o Brasil aos lados Estados Unidos na nascente Guerra Fria, pós-Segunda Guerra.

Vargas seguiu para um “exílio interno”, em suas estâncias de São Borja. Naquele final de 45, seguiu-o um cortejo de políticos de todas as facções do PSD e do PTB, recém criados, além de outros, com perguntas sobre o que fazer, todos em viagens de aviões, fretados ou não.

Mas também o seguiu o olhar atento das mídias jornalísticas, então centradas no Rio de Janeiro e um pouco em São Paulo, com perguntas e respostas sobre o que “desfazer”. Traduzindo: tudo o que Vargas dizia ou desdizia, era imediatamente comentado, desdito, desmentido, triturado, sob o olhar daquela mídia mainstream que não era muito diferente da de hoje.

Falava-se no ditador Vargas; mas o Vargas detestado era o das leis trabalhistas, o ídolo dos trabalhadores, o rei da CLT. Havia campanhas nesta mídia para que Vargas fosse exilado, fosse expulso do país, para que fosse silenciado. Porque ele continuava sendo a principal referência política no Brasil.

No pós-Estado Novo, marcaram-se as eleições presidenciais e parlamentares para o começo de dezembro: para o dia 2 de dezembro, para ser mais preciso, pouco mais de um mês depois do golpe militar que depusera Getúlio, em 29 de outubro. Embora as eleições parlamentares e para os governos estaduais só se completassem em janeiro do ano seguinte.

Para a Presidência, definiram-se quatro candidatos:

Pela UDN, que então ainda congregava alguns deslumbrados das esquerdas, o flamboyant Brigadeiro Eduardo Gomes, da Aeronáutica, bonitão, solteirão, atraente. Deu origem a um dos slogans mais divertidos da política brasileira: “Vote no Brigadeiro, que é bonito e é solteiro”. As “brigadeiras” fabricavam o famoso docinho de chocolate, que ficou com o seu nome (exceto no Rio Grande do Sul, onde se chama “negrinho”), e o vendiam para coletar fundos para a campanha. Era disparado o favorito e o preferido da mídia.

Pelo PSD, o obtuso general Eurico Gaspar Dutra, que contribuíra para a queda de Vargas, mas que tergiversava, prometendo, entre outras coisas, manter as conquistas do trabalhismo, coisa que na verdade não fez depois de eleito: durante seu governo, a legislação não foi desfeita, é verdade, mas não houve um único reajuste do salário mínimo, coisa que levou a uma série de revoltas e quebra-quebras em várias cidades do Brasil, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O PCB lançou o engenheiro Yedo Fiúza que acabou em terceiro, com 500 mil e tantos votos. E houve também o obscuro Rubem Telles, que ganhou apenas em Rio Branco (hoje Roraima) e terminou com pouco mais de 10 mil votos.

A pergunta que não queria calar era: o que fará Getúlio? Apoiará um nome do PTB (que acabou não tendo candidato)? Dutra, visto por muitos petebistas como “o traidor”? Pregará o voto nulo? Nada fará nem dirá?

E a Esfinge de São Borja permanecia em silêncio. Raposa velha estava ali.

Mas a cada hipótese que era lançada em seu nome, a mídia carioca e paulista caía em cima, revirando-a, triturando-a, denunciando-a, na tentativa de neutraliza-la e espatifar a imagem do ex-presidente.

Getúlio só quebrou o silêncio a poucos dias da eleição, apoiando Dutra num manifesto escrito de divulgação nacional. E decidiu-a. A maré virou, o General teve três milhões e duzentos mil votos e o Brigadeiro, pouco mais de dois milhões.

Um dado interessante: antecipando o comportamento da Globo na eleição de Brizola, em 1982, para o governo do estado do Rio de Janeiro, a mídia carioca, logo depois da votação de 1945, tentou, durante dias, manter a imagem (fake news, diríamos hoje) que o Brigadeiro estava ganhando, embora na contagem oficial ele já estivesse perdendo.

Claro está que as condições eleitorais de 1945 e as de hoje são muito diferentes. Basta dizer que Getúlio foi candidato ao Senado e como deputado federal tanto pelo PSD quanto pelo PTB e em diferentes estados.

Mas há uma lição em comum. Hoje, neste Brasil de tantas incertezas e da certeza golpista, muitos querem que o presidente Lula, hoje “exilado” não em alguma estância fronteiriça, nem mesmo no triplex que não é nem nunca foi seu, mas num cárcere em condições ignominiosas, não podendo receber visitas nem de seu médico, defina logo o seu “sucessor” na eleição de outubro, que nem sabemos se ocorrerá.

Ora, assim como em 1945, a mídia mainstream e sorrateira permanece à espera do menor de seus movimentos, para cair-lhe em cima na tentativa de destroça-lo. Se Lula fizesse tal definição agora, por exemplo, além de outras consequências políticas, esta mídia, a Lava Jato, os procuradores do Principado de Curitiba, a Polícia Federal etc. cairiam em cima dele durante meses para destroçar a sua imagem, a sua vida etc.

Portanto, quando mais não seja por outras razões, cai bem que Lula, assim como a Esfinge de São Borja, permaneça quieto a este respeito por enquanto, e  continue sendo a pulga na camisola, a pedra no sapato, a batata quente nas mãos, a pedra no meio do caminho de seus carrascos.

 

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