a sete chaves

Arábia Saudita, a caixa-preta do Oriente Médio

Movimentação dos sauditas mostra que um novo equilíbrio de forças se desenha no Oriente Médio, com acenos de abrandamento de agruras do regime e também na área externa, com mais agressividade sobre vizinhos

PRESIDÊNCIA DA RÚSSIA

Mohammed boin Salman é o primeiro vice-primeiro ministro e príncipe herdeiro da Arábia Saudita

Todo mundo sabe que algo está acontecendo na Arábia Saudita. Mas daí a saber o que acontece vai uma diferença muito grande. O segredo é a marca da política interna do país, cujo regime é marcado por intrigas e brigas familiares como nos velhos tempos medievais.

Mais recentemente tudo começou com a troca de príncipe herdeiro. Era o sobrinho do rei Salman, Muhammad bin Nayef, passou a ser o filho daquele, Mohammed boin Salman.

Vieram acenos de abrandamento de algumas agruras do regime: a partir de junho do ano que vem as mulheres poderão dirigir veículos no país. Diz-se que o novo herdeiro é contra a poligamia ali vigente.

Mas a política entrou em fervura, permanecendo fechada a sete chaves. O novo herdeiro do trono prometeu tornar a Arábia Saudita uma potência regional de médio porte em termos mundiais dentro de alguns anos, diversificando a economia e abrindo as empresas para o capital internacional.

Granjeou o apoio do presidente Trump, dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo o herdeiro anterior, bin Nayef, foi posto em prisão domiciliar e teve suas contas bloqueadas. O mesmo aconteceu com mais de uma dezena de príncipes do país, outro tanto de milionários e mais dezenas de ex-ministros, alguns presos mesmo, não só em domicílio.

Segundo informações não confirmadas oficialmente (o segredo continua sendo a alma do negócio e da política) as somas bloqueadas passam dos US$ 800 bilhões. Há notícias também de que houve expurgos nas Forças Armadas. Por que? Ninguém sabe, ninguém viu. Fala-se vagamente em acusações de corrupção.

No plano externo, a Arábia Saudita passou a uma linha muito mais agressiva do que antes, tendo em vista, sobretudo, neutralizar a crescente influência do Irã na região. Esta cresceu graças ao conflito sírio, à impossibilidade de derrubar o governo de Damasco, à confluência com a Rússia quanto a isto, e a uma aproximação com o Iraque, quando Teerã deu mostras de estar contra o movimento curdo pela independência diante de Bagdá.

O primeiro movimento nesta direção foi apertar o cerco contra o governo do Catar, visto como aliado de Teerã. Com ajuda do Egito e de outros países, a Arábia Saudita organizou um bloqueio aéreo e comercial contra aquele país, que só tem fronteira com ela e com o mar. Exigiu o fechamento da agência de notícias Al Jazeera, no que teve também o apoio do Egito.

Este movimento colocou o governo norte-americano numa sinuca de bico. Se os sauditas são seus tradicionais aliados, é no Catar que fica a principal base naval dos Estados Unidos na região. Talvez por isto, em parte, o Catar vem resistindo, além de receber abastecimento aéreo por parte de Teerã.

Mas nem por isto os Estados Unidos pressionaram a Arábia Saudita a mudar de direção. Pelo contrário, também de olho na influência do Irã, intensificaram o apoio a Ryad em outras matérias.

A Arábia Saudita mantém uma posição muito agressiva no vizinho Iêmen, com bombardeios aéreos e um bloqueio sobre regiões do país dominados pelos Houthis, vistos também como aliados de Teerã. Ela acusa o Irã de fornecer armas, incluindo mísseis, aos rebeldes daquele país que, de resto, está completamente dividido entre estes, o governo – reconhecido internacionalmente – de Abd Rabbuh Mansur al-Hadi e a Al Qaïda.

A temperatura subiu muito quando Ryad acusou os Houthis de terem lançado um míssil contra seu aeroporto, míssil que foi abatido antes de chegar a seu destino, acrescentando que o míssil teria sido fornecido pelo Irã. Isto equivaleria a um ato de guerra. Teerã nega todas as acusações. A ONU condena o bloqueio contra o Iêmen, afirmando que ele está levando a população do país a enfrentar epidemias e fome em grande escala.

O passo seguinte da escalada saudita foi uma misteriosa intervenção no Líbano. Algumas semanas atrás o primeiro-ministro deste país anunciou sua renúncia, surpreendendo o mundo e ate mesmo seus correligionários. A seguir voou para Ryad, onde estranhos acontecimentos se sucederam. Segundo algumas versões, ele fora “convocado” pelo próprio rei Salman, tendo seu telefone confiscado e sendo mantido virtualmente como prisioneiro.

O motivo desta possível e misteriosa detenção teria sido a falta de empenho de Hariri em combater o Hezbollah, grupo guerrilheiro e político que é visto como simpático ao Irã e tendo o apoio deste. Para carregar mais ainda o ambiente, o governo de Ryad ordenou a seus cidadãos residentes no Líbano que deixassem o país. A notícia sugeria a iminência de uma intervenção armada.
O presidente francês, Emmanuel Macron, que se encontrava em Ryad, interferiu na crise, convidando Hariri a visitar seu país. De fato, o ex-primeiro-ministro (naquela altura) se dirigiu a Paris e, surpreendentemente, retornou ao Líbano, onde reassumiu o cargo e declarou que nano falará sobre o que aconteceu em Ryad! “O que aconteceu na Arábia Saudita ficará na Arábia Saudita”, disse ele, cuja família tem vultosos negócios neste país. De novo, ninguém sabe, ninguém viu.

Mas a pérola deste complexo bolo foi a entrevista do general israelense Gadi Eisenkot, chefe do Estado Maior das Forças Armadas de Tel Aviv, a um jornal saudita, coisa até então inédita. Na entrevista, o general deixava claro a disponibilidade de Israel para cooperar com Ryad numa frente ant-Irã e anti-Hezbollah. O general também sublinhou a exigência de Tel Aviv de que o ambos (Irã e Hezbollah) se retirem da Síria. A entrevista levantou suspeitas de que Israel venha mantendo negociações secretas com os Sauditas há mais tempo. Acontece que Israel não mantêm relações diplomáticas com a Arábia Saudita. O anúncio formal de uma aliança provocaria um terremoto político na região e mesmo dentro de Israel.

Ainda é cedo para ver com clareza que nova formatação está se delineando no Oriente Médio com esta movimentação interna e externa dos sauditas. Mas já é possível parodiar o Barão de Itararé: há algo mais no deserto além das caravanas de carreira.