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Crise na Espanha é marcada pelo confronto entre dois conservadorismos

'A Espanha de Franco, não!', disse o poeta Manuel Bandeira, em “No vosso e em meu coração”, poema que elogia nomes que defenderam a liberdade. Se fosse hoje, Bandeira diria: 'A Espanha de Rajoy, não!'

reprodução you tube

Policial agride eleitores durante a realização de plebiscito para submeter a separação à aprovação da população

A questão catalã está hoje pinçada entre dois conservadorismos. De um lado, a liderança de Carles Puigdemont, o presidente catalão. Puigdemont é um político conservador, da estirpe neoliberal, filiado à Frente Liberal Europeia, da qual faz parte também o FDP alemão: são partidos economicamente liberais mas que, em matéria de usos e costumes, são também liberais. Do outro, Mariano Rajoy, o líder do PP conservador, um dos únicos mandatários a ter dado apoio explícito a Michel Temer e seu catastrófico governo.

Ambos padecem de dificuldades governamentais. Puigdemont é herdeiro de um partido acusado de corrupção em governos anteriores. O plebiscito que convocou para referendar a proposta de independência da Catalunha teve o comparecimento de 2,3 milhões de eleitores num universo de 5,3 milhões, minoritário portanto. Mas ele alega que a intervenção violenta da Guardia Civil a mando de Rajoy sequestrou urnas com 770 mil votos. Somando esses aos 2,3 milhões são mais de 3 milhões, tornando o plebiscito majoritário e vinculante. Mas isso é uma alegação, não um fato comprovado. Ou seja, em seu próprio reino, Puigdemont segue minoritário. Mobiliza a reivindicação catalã em seu favor, para fortalecer a própria liderança.

Rajoy é líder de um governo minoritário na Câmara de Deputados, que nomeia e dá voto de confiança ou desconfiança ao primeiro-ministro. É líder de um governo fraco. Mobiliza a defesa intransigente da unidade espanhola para se fortalecer.

Os argumentos se veem toldados pela confusa nuvem semântica que cobre a política europeia. A mídia mainstream da Europa, mais a hegemonia conservadora que dá as tintas na União Europeia classificam de “populismo” tudo o que foge ao ideário neoliberal dominante, e de “nacionalismo” tudo o que foge aos governos que têm a sua bênção. A reação de Antonio Tajani, novo presidente do Parlamento Europeu, um político italiano do partido de Sílvio Berlusconi, o Forza Italia, foi sintomática, classificando o movimento catalão de “nacionalista” e “populista”. Idem fez o escritor peruano Vargas Llosa, que se tornou um globetrotter do neoliberalismo em escala mundial, chamando o movimento catalão também de “nacionalista” e acusando a ideologia nacionalista de ter feito milhões de vítimas na Europa e no mundo. A alegação histórica é verdadeira, mas sua aplicação ao presente é facciosa, pois parece que a atitude Rajoy, conclamando os espanhóis a porem bandeiras de Espanha em suas sacadas e janelas no dia do plebiscito catalão não seria “nacionalista”.

É verdade que os movimentos separatistas europeus são, em geral, borbulhas nacionalistas de direita: assim é na Itália, com a Lega Norte (que apoiou durante muito tempo Berlusconi). Idem os nacionalistas, como no caso de Le Pen e sua Front Nationale na França. Mas a Catalunha apresenta originalidade. Se Puigdemont é um político de centro-direita, o movimento independentista tem significativos apoios da esquerda.

Já Rajoy vem aplicando na Espanha o receituário neoliberal da austeridade levando o país a alarmantes situações de desemprego. Reagiu de maneira virulenta ao plebiscito catalão, pondo a famigerada Guardia Civil para enfrentar cidadãos desarmados que queriam apenas votar, com um saldo de 900 feridos, inúmeros confrontos desnecessários, invasões de escolas, intervenção em redes de comunicação… Como agora, quando a autorização pedida ao Senado (que deve votá-la até a sexta-feira, 27) para intervir no governo prevê a destituição dos governantes, o monitoramento das decisões do Parlamento Catalão e o controle do policiamento local e da TV, numa atitude que beira à censura ampla, geral e irrestrita. Rajoy mobiliza o que a Espanha tem de pior: a tradição da Guardia Civil e a truculência franquista, aliadas ao império das políticas de austeridade e rebaixamento de direitos laborais. E o PSOE vai a reboque.

Na União Europeia ninguém vai se mover em defesa da Catalunha e da possibilidade de uma real negociação em torno, por exemplo, de uma rediscussão da autonomia provincial. Muitos países, como Itália, França e a Inglaterra do Brexit enfrentam movimentos separatistas em seu território. A Alemanha não tem esse problema, mas Angela Merkel tem em Rajoy um firme aliado e não vai se mexer para contradizê-lo. O silêncio da maioria dos líderes europeus diante da violência da Guardia Civil foi eloquente.

Puidgemont pode ter se colocado num beco sem saída. Prevê-se a possibilidade de novas eleições na Catalunha dentro de seis meses. Seria necessário que o Podemos e o PSOE se unissem pedindo também a realização de novas eleições da Espanha, brandindo a bandeira “A Espanha de Rajoy, não!”.

Mas isto já é pedir demais diante da tradicional desunião das esquerdas.

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