Patéticos

Trump, Temer e a lógica do espantalho

Ao sul e ao norte, os espantalhos-presidentes se agitam em falsas polêmicas para distrair a atenção da opinião pública, enquanto vão obstruindo as janelas – e pontes – para o futuro

© Hudson Silva / reprodução

Durante 15 anos vivi num sítio em Itapecerica da Serra, nas vizinhanças de São Paulo. Ali me deparei e empreguei, pela primeira vez, com a “lógica do espantalho”. 

A casa do sítio tinha um janelão que ia do teto ao chão, sem cortinas, refletindo a mata em frente. Aquilo atrapalhava os pássaros. Estes são muito parecidos com os humanos: pensam que o espaço é deles, e se engalfinham em disputas de territórios, cantos e beleza. Em geral, eles, como muito humanos, não têm visão bifocal, de profundidade: veem o mundo como se fosse uma tela bidimensional. Para eles, este é um detalhe da sua natureza; para os humanos, da sua formação cultural.

Volta e meia, um pássaro dos pequenos – perseguido por outro, dos grandes – olhava para o janelão e via a mata refletida. Pensava que ali estava uma saída, atirando-se de encontro ao vidro – e morrendo pela pancada, que lhe provocava uma parada cardíaca. Um ou outro eu consegui reanimar. Mas para a maioria o resultado era irreversível.

Foi então que tive a ideia de pôr, por atrás do janelão, um espantalho. Com ajuda de um mancebo (aquele treco antigo, feito para pendurar casaco no cabide, pôr sapatos nos pés e ainda ter lugar para abotoaduras e um chapéu no alto) construí um espantalho. Os pássaros deixaram de se ligar no suposto espaço livre refletido no janelão, para prestar atenção no espantalho. Salvei vidas. E assim me deparei com esta lógica do espantalho.

Ela pode, no entanto, ter outros fins, como meio de distrair seu alvo do que está realmente acontecendo. No campo, o espantalho virou um aposto do passado, em pequenos sítios, diante do avanço da monocultura destruidora e dos agrotóxicos. Mas na presidência de uma República, ele ainda se revela muito eficiente.

Joyce N. Boghosian/TWH/Lula Marques/AGPT
Figuras patéticas, Trump e Temer querem nos impedir de transpor a janela para um futuro possível e melhor

Temos dois espantalhos no continente americano: ao norte, Trump; ao sul, Temer. Trump é mais dinâmico; Temer, mais empalhado.

Aquele se agita, publica twitters ferinos e furibundos, em que agride repórteres adversos, com declarações espantosas, verdadeiras diatribes contraditórias, ameaça a Coreia do Norte enquanto o porta-aviões de sua ameaça navega na direção contrária. Nega que o aquecimento global tenha a ver com a atividade predatória das grandes corporações. E assim prende a atenção para sua personalidade, enquanto ele e sua equipe vão fazendo o verdadeiro dano, que é comprometer o futuro do seu país e da humanidade, com suas medidas de pisar nos pobres e salvaguardar os ricos.

Mutatis mutandis, com Temer acontece o mesmo. Ele se agita cada vez menos. Mas ainda assim se agita. Em relação ao G-20 próximo, em Hamburgo, diz que vai mas não vai. Depois diz que não vai mas vai. E fica este agito em torno de sua figura patética, enquanto vai destruindo o futuro – além de querer destruir o passado – da nossa nação. 

O repúdio ao espantalho político é legítimo – mas não deve nos tolher a visão da janela que nos querem impedir de transpor, e que, ao contrário daquela de minha casa, não contém uma imagem ilusória, mas sim a de um futuro possível e melhor.