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E agora, esquerda francesa?

Pela primeira vez na história da França desde a consolidação da república, nenhum dos partidos tradicionais foi para o segundo turno. E o quadro pode piorar, com as eleições legislativas de junho

SERGI TENANI/Mat Beaudet/FLICKR CC

Macron e Le Pen disputarão segundo turno das eleições presidenciais francesas, que terá somente opções à direita

Há mais nesta eleição francesa do que simplesmente Emmanuel Macron vs. Marine Le Pen.

Em primeiro lugar, a gente sabe que pior do que o “já ganhou”, só há o “já perdeu”. E o que se vê é que um desagradável clima de “já ganhei” subiu a cabeça de Macron, enquanto Le Pen não se deixou abater pelo “já perdi”.

Ela tem cheiro de fascista, não resta dúvida. Mas é aguerrida, valente, ousada, e vai à luta de cabeça erguida. Até porque, seja qual for o resultado de 7 de maio, ela se consolidou como a principal liderança da extrema-direita francesa e, portanto, europeia.

A extrema-direita holandesa perdeu algo de seu ímpeto depois da derrota de Geert Wilders. A alemã, do AfD, patina em torno de uma briga de suas lideranças. No passado recente, suas intenções de voto, ainda que expressivas, caíram de 15 para 10%. Provavelmente Merkel vem recuperando sua força. A extrema-direita britânica não soube nem sabe o que fazer com sua vitória no plebiscito sobre o Brexit.

Já sob a batuta de Le Pen, a Frente Nacional (FN) só fez crescer.  Na eleição de domingo obteve o melhor resultado de sua história, quase 7,7 milhões de votos. É muito voto.

Le Pen pode perder no segundo turno, mas no dia 11 de junho acontecem as eleições parlamentares. A FN deve crescer, certamente. Hoje ela tem apenas dois deputados. Mas olhando-se o mapa eleitoral da França, vêem-se coisas curiosas.

Macron foi o mais votado nos grandes centros urbanos e no oeste do país, região mais rica. Le Pen foi a mais votada em departamentos (o equivalente aos estados no Brasil) onde o desemprego é maior, ou em pequenas comunidades rurais, sobretudo no leste da França. Isto provavelmente renderá votos em 11 de junho.

Pela primeira vez na história francesa desde a consolidação da república, depois da Segunda Guerra, nenhum dos partidos tradicionais foi para o segundo turno. Isto significa uma desilusão com a política? Pode ser. Mas o resultado significa, com certeza, uma opção mais conservadora, como soe acontecer nestes casos: Le Pen pela extrema-direita, Macron por uma “direita esclarecida”, liberal nos costumes e na tolerância com imigrantes, neo-liberal em termos de economia. Para as esquerdas não há muito mesmo o que comemorar.

Mas como sempre estas poderiam tirar lições que provavelmente não vão tirar. Uma delas: somando-se os votos do candidato socialista, Benoît Hamon, da esquerda do seu partido, e os do candidato da France Insoumise, Jean-Luc Mélénchon, obtém-se 25,94% dos votos. Um candidato que conseguisse esta missão impossível – unificar as esquerdas – estaria no segundo turno. 

Quem mais sofreu com os resultados, aparentemente, foi o Partido Socialista (PS). Rachado como estava, é possível que já no primeiro turno alguns de seus votos potenciais tenham migrado para Macron: os da direita do partido, liderada por Manuel Valls, que não engoliu a indicação de Hamon. Outra parte pode ter migrado para Mélénchon, que poderia se candidatar a deputado, tornando-se um forte líder da esquerda parlamentar, com o enfraquecimento dos socialistas.

Mas isto só será possível se ele, vencendo seu ressentimento, se colocar, primeiro, declaradamente contra Le Pen. Desta forma estará, sim, se qualificando para depois ser a grande liderança contra qualquer dos vencedores de 7 de maio, aumentando sua penetração entre o eleitorado limítrofe. Um movimento desta natureza poderia abrir as portas para que, no futuro, a France Insoumise e um PS renovado se unissem para enfrentar a direita.

Mas biblicamente a gente sabe que é mais fácil um rico entrar no céu do que as esquerdas se unirem.