história

A primeira greve no Brasil

Na próxima sexta-feira (28) trabalhadores farão uma greve geral, que deve parar transporte, escolas, bancos e indústria em todo o país

UERJ/REPRODUÇÃO

Tipógrafos da época paralisaram a publicação dos jornais, ou ‘folhas diárias’

A primeira greve brasileira ocorreu no início de 1858, no Rio de Janeiro. Foi a greve dos tipógrafos da então Corte, depois capital federal e hoje capital do estado com o mesmo nome.

O Rio de Janeiro passava por problemas de carestia ou falta de gêneros alimentícios, e aumento de seus preços, bem como dos aluguéis. Havia, portanto, um processo inflacionário.

Os tipógrafos eram trabalhadores letrados, que tinham acesso a informações sobre o que se passava no resto do mundo, isto é, naqueles tempos e para eles, a Europa e os Estados Unidos. A classe ergueu-se no movimento paredista (como também se dizia então), reivindicando o aumento da féria (também como se dizia) em 1 mil-réis por dia. Resultado: praticamente paralisaram ou pelo menos prejudicaram seriamente a publicação dos jornais, ou “folhas diárias”. De 7 a 11 de janeiro estas folhas, que normalmente tinham quatro páginas de tamanho standard, saíram só com duas ou nem saíram. Algumas vezes aglomeraram duas edições numa só, como no caso do “Diário do Rio de Janeiro”, que juntou dois dias numa única publicação: 9 e 10 de janeiro.

Perplexos, os donos, acionistas e redatores-chefe dos jornais, reagiram com grande violência retórica, pedindo a repressão do movimento e a intervenção policial, “para destruir em nascença um mal que pode tomar grandes proporções”, conforme editorial conjunto publicado naquele jornal e também na “Gazeta Mercantil” e no “Jornal do Comércio”. Desconfio seriamente, pelo estilo do texto, que seu autor ou pelo menos revisor foi nada mais nada menos que José de Alencar, que era então o redator-chefe do “Diário”.

O então ministro da Fazenda, o paraense e visconde Bernardo de Sousa Franco, mandou que os “compositores” da Tipografia Nacional, a ele subordinada, fossem furar a greve, substituindo os tipógrafos dos jornais. Entretanto, os trabalhadores da Tipografia Nacional reuniram-se em assembleia e se solidarizaram com seus colegas, o que levantou mais a ira dos patrões e seus aliados.

Dizia o mesmo editorial: “Eles (os tipógrafos da T. N.) quiseram fazer causa comum com os seus companheiros; o que bem mostra a aliciação que tem havido, e a espécie de sugestão que exercem alguns mais exaltados sobre outros de ânimo tímido e irresoluto”. E concluíam pedindo a referida intervenção da polícia, embora não dissessem o que ela deveria fazer. Embora possamos imaginar o que eles pensavam que ela deveria fazer.

Nesta época, Machado de Assis, então com 18 anos, trabalhava na Imprensa Nacional, e sabe-se que alimentava ideias então tidas como “exaltadas”. Não resisti à tentação, e no meu romance “Anita”, coloquei-o na posição de discursar para aquela assembleia dos tipógrafos oficiais: “Houve debates acalorados. O Machadinho (como o grande escritor era conhecido na juventude), que nessa época era aprendiz de tipógrafo e tinha ideias esquentadas, foi. Fez um discurso inflamado. Terminou gritando: ‘’tipógrafos da Corte, uni-vos, nada tendes a perder…’ Não conseguiu terminar a frase, tal a massa de aplausos”.

Os donos de jornais estavam muito assustados. Dias antes houvera uma tentativa de movimento semelhante por parte dos acendedores de lampião nas ruas da cidade. Já os tipógrafos, comportando-se como membros de uma “aristocracia operária”, recusaram a comparação do seu movimento com o deles. Sabe-se disto através de detalhe curioso e importante.

Em consequência do movimento, os donos dos jornais demitiram os tipógrafos grevistas. Alguns deles reuniram-se numa espécie de cooperativa e passaram a publicar a sua própria folha diária, o Jornal dos Tipógrafos, que durou cerca de três meses.

Em editorial anunciavam: “O artista (como se chamavam) hoje encontrou na arte (no ofício e na corporação) a sua verdadeira pátria (…), sua família é a classe, sua vida a força poderosa de seus indisputáveis recursos”.

Este jornal se encontra hoje na seção de livros raros da Biblioteca Nacional, e também já deve estar digitalizado. Tive a ventura de consulta-lo diretamente nas suas folhas, enquanto fazia minha pesquisa de doutorado sobre o teatro e, paralelamente, o jornalismo de Alencar.

Devido ao silêncio subsequente das demais “folhas diárias” sobre os desdobramentos da “parede”, não sabemos se os tipógrafos conseguiram seus mil-réis a mais na féria do dia. O certo é que eles fundaram o primeiro jornal alternativo do Brasil, com este espírito explicitamente marcado.

E é por estas e por outras que estamos aqui, na Rede Brasil Atual e em tantas outras publicações e mídias alternativas que, como uma coorte de Davis (nome que se dava a frações das legiões romanas), enfrentam os Golias da mídia golpista.

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