estragos

Política externa: o PSDB e o rinoceronte

FHC insistiu em elogiar a indefensável passagem do ex-ministro José Serra no Itamaraty, durante a qual promoveu o enterro da política tradicional brasileira

Gerdan Wesley / Itamaraty.gov

Serra (esq) introduziu um estilo cheio de gafes, além de reduzir o Brasil a um zero à esquerda na diplomacia mundial. Aloyzio, também truculento, é o sucessor

Seria patético, não fosse coisa de pateta. FHC (o que sobrou do professor Fernando Henrique Cardoso, o Príncipe da Sociologia que se tornou o Barão de Higienópolis) tentou defender pela imprensa a gestão de José Serra no Itamaraty. É o mesmo que elogiar o rinoceronte depois da sua passagem pela loja de porcelana.

O aparelhamento do Itamaraty pelo PSDB, dentro da política de distribuição de prebendas e sinecuras de Michel Temer, é a pior coisa que aconteceu para a política externa brasileira desde a Independência, e até desde antes, os tempos de Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri, de 1750 (embora este tivesse consequências funestas para as Missões Jesuíticas do Rio Grande do Sul).

José Serra promoveu o enterro da política tradicional brasileira, de sublinhar a negociação em detrimento da agressão, coisa definida profissionalmente pelo estilo consagrado de Rio Branco. O Brasil teve políticas diplomáticas mais agressivas, mas em tempos caracterizados por campanhas de ocupação, consequências de guerras declaradas ou não, como foi o caso dos conflitos em torno do Rio da Prata e depois da chamada Guerra do Paraguai. Teve ainda outros pontos de conflito, como no caso do Acre, mas que terminaram na mesa de negociação. Ainda durante a ascensão do nazi-fascismo na Europa, diplomatas brasileiros se comportaram de maneira vergonhosa, favorecendo a perseguição dos judeus. Mas outros se comportaram de modo mais digno, facilitando sua fuga.

Nem mesmo durante a ditadura o Brasil foi tão belicoso do ponto de vista diplomático – embora apoiasse golpes e ditaduras em seu entorno, e o governo brasileiro fizesse uma campanha sibilina para que dom Helder Câmara não ganhasse o Nobel da Paz, que acabou sendo atribuído a Willy Brandt (não que este não o merecesse) em 1971.

José Serra introduziu um estilo cheio de gafes, como o de fazer piada de mau gosto sobre o alto número de mulheres na política mexicana, prever a vitória de Hillary Clinton, agredir os vizinhos cujos governos fossem de esquerda, além de reduzir o Brasil a um zero à esquerda na diplomacia mundial. O Itamaraty sob intervenção periga tornar-se um apêndice do Departamento de Estado norte-americano.

Agora este estilo é reconsagrado por Aloysio Nunes, o ex-companheiro Mateus dos tempos da ALN, que já partiu para a agressão ao governo venezuelano, com mais ares de pitbull do que de rinoceronte.

Está certo que o campo da diplomacia internacional está longe de ser uma loja de porcelanas. Nem por isso é um quartel de divisões de artilharia.

Porém seria injusto atribuir esta inoperância diplomática apenas às personalidades de ambos os chanceleres. Não. Ela se deve também ao mundo mental que impera no PSDB, anacrônico, herdeiro contumaz dos efeitos da Guerra Fria no nosso continente, crente fanático na dependência dos centros hegemônicos da política ocidental, como se estes centros ainda fossem hoje os governos de Washington, Londres, Paris, e não os moguls financeiros assentados em Wall Street, na City londrina – a bolsa de Paris está fora de moda, e o poder na Europa se divide, em Frankfurt, entre o Banco Central Europeu e o Alemão.

Paradoxalmente, correm ecos de que a intervenção do PSDB no Itamaraty provocou um  certo alívio entre os diplomatas de carreira, mesmo aqueles que seriam simpáticos a esta guinada para o anacronismo. O motivo desta sensação seria a percepção de que para o Itamaraty profissional seria mais danoso ter que assumir diretamente a responsabilidade pela política externa de um governo tão pífio quanto o de Temer, que está reduzindo o prestígio internacional do Brasil a uma cifra mais negativa do que o seu PIB.