transição nos EUA

O adeus de Obama: conquistas em perigo e política externa de saldo negativo

Em discurso de despedida, apesar da posse de Donald Trump ser no dia 20, presidente fala de seus acertos, como o sistema de saúde e o combate ao racismo. Mas, para o mundo, mandato deixou a desejar

divulgação / www.whitehouse.gov

Presidente Obama ganhou um cheque em branco, o Nobel da Paz, antes de ter feito qualquer coisa por ela

Embora deixe o cargo apenas no dia 20 deste mês, o presidente Barack Obama já fez seu discurso de adeus. Foi um discurso para a História: elogiado por muitas pessoas como um dos melhores no gênero. Comparável, disseram, ao de George Washington e de Dwight Eisenhower, o ex-general que denunciou haver um complexo industrial-militar que de facto mandava nos Estados Unidos.

Obama não cometeu esta ousadia. Podia ter denunciado o complexo de serviços de inteligência, hoje fragmentado, terceirizado, privatizado, que é de fato quem manda nos Estados Unidos e no mundo.

Falou de suas conquistas, merecidamente. O sistema público de saúde. O fim das torturas. O combate ao racismo e à discriminação dos muçulmanos. A diplomacia com Cuba e com o Irã. Criticou o otimismo excessivo que vê os Estados Unidos como um país pós-racista. Reafirmou a necessidade de dialogar com o que cientistas afirmam sobre o planeta. Elogiou a democracia e o combate à pobreza. Entre outras coisas.

Terminou o discurso com a frase “Yes, we did” (“sim, fizemos”), contraponto à frase de sua campanha, “Yes, we can” (“sim, podemos”).

Foi merecido. Para um primeiro presidente negro dos Estados Unidos, ele fez muito.

É. Mas também podia ter feito muito mais. E deveria dizer, junto, “No, we did not” (“Não, nós não fizemos”).

Obama ganhou um cheque em branco, o Nobel da Paz, antes de ter feito qualquer coisa por ela. Não o fez. Tornou-se um presidente belicoso, interventor. É verdade que herdou uma situação catastrófica no Iraque. Mas sob sua administração a Líbia virou um caos e abriu mais espaço para as vítimas do Mediterrâneo, e a Síria entrou numa guerra civil sem fim. Obama e os seus assessores avaliaram erradamente a capacidade de resistência de Bashar Al-Assad e do Exército Sírio. E confiaram numa oposição rebelde feita de uma colcha de retalhos de grupos oportunistas e sem sentido de unidade política. Abriram espaço para o Estado Islâmico e suas atrocidades. 

No Oriente Médio, Obama acertou em hostilizar Netanyahu, mas pagou tarde demais no Conselho de Segurança da ONU, com a abstenção que permitiu a aprovação da moção condenando a ocupação ilegal e ilegítima de territórios palestinos além das fronteiras de 1967. Chegou tarde demais. Não deu para garantir o apoio à solução dos dois estados, a única que pode garantir alguma paz duradoura na região.

Obama comentou o esforço para fechar a prisão de Guantánamo. Devia retornar Guantánamo à Cuba, mas vá lá, o fechamento da prisão já seria um passo importante. Não cumpriu a promessa.

O resultado disto tudo, além da avaliação errada sobre o resultado da eleição, é que as conquistas estão em perigo, e as lacunas provavelmente serão confirmadas e ampliadas pela ferocidade dos republicanos e de Trump.

A tortura deve voltar. Guantánamo vai receber mais prisioneiros.O acordo como Irã? Cuba? O sistema de saúde? A paz estará em perigo…

Para finalizar esta lista de negativos, deve-se registrar que o governo de Obama apoiou os golpes pós-modernos (jurídico-parlamentares-policiais-midiáticos) em Honduras, no Paraguai e no Brasil.

Um saldo lamentável.

Não deixa saudades. 

Mas sempre haverá pior. Esperemos.