cegueiras

O jato d’água no olho de Alckmin

Jatos d´água usados para reprimir manifestações populares podem ser tão danosos quanto as balas de borracha. O ideal é respeitar o direito à liberdade democrática

IHU/reprodução

Homem é atingido por jato d’água durante repressão policial a manifestação popular na Europa. Risco de lesão grave é o mesmo que o de balas de borracha

Depois do “acidente” que, durante manifestação em São Paulo contra o golpe, cegou um olho de uma estudante que estava “no caminho”, atingida por uma bala de borracha, o governo Alckmin anuncia a decisão “humanitária” de substituir as balas por jatos d’água.

Estes jatos d”água são lançados por “canhões” armados sobre carros blindados – no caso, comprados em Israel (agora que o governo Temer está fechando o Brasil para desbalanço, tudo deve voltar a ser importado…).

Entretanto, estes jatos d´água podem ser tão danosos quanto as balas de borracha.

Em junho de 2007, cobri as manifestações anti-G8 na cidade de Rostock, às margens do Mar Báltico. O G8 se reunia em um balneário próximo, e os caminhos de acesso a ele foram fechados – pelos policiais e pelos manifestantes. O fechamento foi tão eficaz que os participantes da reunião, em dado momento, tinham de ser transportados de helicóptero até o local.

Um grupo dos manifestantes tentou se aproximar do local pelo campo, mas foi detido pela polícia, que os dispersou com jatos d’água. Um rapaz que também “estava no caminho”, foi atingido pelo jato num dos olhos. Estava de óculos, o que complicou a situação, e ele perdeu a visão daquele olho. Ao que parece, tentou depois processar as forças “da ordem”, sem resultado.

As manifestações continuaram, e na maior delas, dentro da cidade de Rostock, os manifestantes estimaram em de 80 mil a 100 mil participantes. A polícia ficou em 25 mil. De todo modo, ela foi gigantesca, e certamente tinha bem mais do que 25 mil pessoas.

Veio gente de toda a Europa, e ainda de outros continentes. Uma curiosidade: os maiores contingentes de manifestantes eram “avós”, de cabelos brancos, veteranos de 68, e “netos”, jovens de 25 anos ou menos. Entrevistei um avô e seu neto que tinham vindo da Espanha para a manifestação. A geração dos “pais”, entre os 30 e os 50 anos, estava relativamente pouco representada.

O argumento de que os “vovôs” e “vovós” aposentados, mais os “netos” e “netas” estudantes podiam ir à manifestação, enquanto os “pais” e “mães” tinham de ficar trabalhando era relativa, pois as maiores manifestações aconteceram no fim de semana. A explicação mais razoável, para mim, era a de que, em grande parte, a geração que amadureceu com e depois da queda do muro de Berlim se perdeu para a política ou foi para a direita.

Naquela dos 25/80/100 mil (no dia 2 de junho), a passeata foi pacífica. Ao final, ocorreu o inevitável conflito entre os Autonomen – os blackbocs aqui da Europa – e os policiais. Criou-se um espetáculo bizarro: a esmagadora maioria dos manifestantes assistiu “na arquibancada” ao conflito, que se desenrolou na maior parte numa área aberta em frente ao bolo principal da manifestação. Os Autonomen usavam coquetéis molotov e pedras, enquanto os policiais se valiam do gás lacrimogênio, dos jatos d’água e das investidas com cassetetes.

O confronto durou algumas horas e se esvaziou pelo cansaço. Houve centenas de detenções e outras centenas de feridos, inclusive entre os policiais. Houve bastante depredação de vidraças e queima de automóveis, como soe acontecer nestes casos. Felizmente, desta vez não houve nenhum olho cegado.

Ao fim do dia, voltando para o hotel, assisti um espetáculo cômico, mas deprimente. Um pequeno grupo de jovens bêbados concentrado em frente a um bar, bebendo e articulando algumas palavras de ordem. Seriam no máximo uns quinze jovens. Ao seu redor, bloqueando o caminho, um contingente enorme de policiais fazia exercícios pirotécnicos, marchando de um lado para o outro, acionando carros e camburões, mas sem atacá-los (pelo menos isto!).

O espetáculo ameaçava se estender pela noite a dentro.

Cansado, fui dormir.

Moral da história: pelo sim, pelo não, cuidado com o Alckmin e seu canhão. Embora seja de água, ele pode causar muita mágoa.