crise de identidade

Proibição do ‘burkini’ causa polêmica na Europa

Medidas desse tipo têm tido apoio, inclusive, de grupos feministas de esquerda que veem nelas uma forma de combater os preconceitos machistas sobre as mulheres

Flickr/CC

‘Burkini’ e traje dos anos 1920: o que era liberdade hoje é visto como escravidão

As autoridades municipais de 12 balneários franceses – inclusive o famoso de Cannes – proibiram o uso do “burkini”, o traje de banho justo que cobre quase todo o corpo, pelas mulheres muçulmanas. As usuárias que desobedeçam a proibição podem ser multadas em 38 euros.

As proibições começaram na Córsega, no balneário de Sisco, onde houve um conflito entre jovens muçulmanos e franceses porque estes começaram a tirar fotografias das mulheres que usavam a vestimenta. Os seus parentes não gostaram e, segundo a versão dos jovens fotógrafos, partiram para a agressão, munidos até de facas e arpões. Houve ferimentos, e a partir daí as autoridades locais adotaram a proibição, que vai o próximo dia 31.

O primeiro-ministro Manuel Valls declarou-se favorável às proibições, embora tenha descartado a possibilidade de uma lei nacional neste sentido. Políticos de extrema-direita, Marine Le Pen (é claro!) à frente, vêm se pronunciando favoravelmente a que haja uma proibição nacional da vestimenta, e alguns pedem até a deportação das desobedientes.

A alegação é a de que o uso do “burkini” corresponde a um princípio de “escravização” das mulheres e que isto “é incompatível com os valores franceses” de liberdade e secularização. Medidas deste tipo têm tido apoio, inclusive, de grupos feministas de esquerda que veem nelas uma forma de combater os preconceitos machistas sobre as mulheres.

O conflito em torno das vestimentas femininas islâmicas remonta a 1989, quando três jovens estudantes muçulmanas se recusaram a retirar os véus que cobriam suas cabeças na escola pública que frequentavam. Desde então, a pressão aumentou, envolvendo também o uso de burcas e niqabs, vestimentas que cobrem completamente o corpo da cabeça aos pés, deixando apenas uma rede ou uma fenda para os olhos.

Argumentam os contrários à medida que é muito estranho proibir uma vestimenta em nome da liberdade. Veem na medida muito mais a manifestação de uma crise de identidade na França, com a população e os políticos confrontados com a contingência de conviverem com a diferença em seu próprio território. Esta visão identificaria uma ameaça à própria identidade na convivência com a vestimenta do “outro”, alimentada de modo dramático pela última série de atentados em nome da religião, e “neutralizada” pela proibição.

Prosseguem os argumentos contrários à proibição no sentido de lembrarem que existe um sentimento secular de superioridade da civilização europeia em relação ao mundo islâmico, que se manifestaria, entre outras coisas, na diferença quanto aos trajes femininos.

Mutatis mutandis, o caso me trouxe à lembrança o tempo, entre 1964 e 1965, em que estudei numa “high school” nos Estados Unidos, terminando o curso secundário. Muitas escolas proibiam então os rapazes de usarem os cabelos longos no estilo dos Beatles. Barba, no estilo de Fidel, nem pensar! Fui eu mesmo testemunha do caso de um rapaz, na escola em que eu estudava, obrigado a cortar o cabelo mais curto para poder continuar a frequentá-la.

Aqui na Alemanha há também uma polêmica em torno da proibição ou não de niqabs e burcas. O ministro do Interior, Thomas de Maizière, declarou-se favorável à proibição, enquanto o presidente Joachim Gauck declarou-se contrário.

Se formos pelo caminho da proibição, talvez se devesse proibir também a divulgação de algumas fotos de trajes de banho femininos no Ocidente durante os primeiros anos do século 20.