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Estados Unidos: candidatos em encruzilhadas

Últimas pesquisas divulgadas depois das convenções por diferentes institutos dizem que, pelo menos no voto popular, Hillary Clinton vem recuperando sua vantagem sobre Donald Trump

Gage Skidmore/Michael Vadon/Flickr CC

Hillary tem ampla preferência das mulheres e negros americanos; Trump tem problemas com alguns republicanos

Faltam pouco mais de três meses para a realização das eleições presidenciais norte-americanas, e as principais candidaturas se posicionam em diferentes encruzilhadas.

Para Hillary Clinton, o desafio parece ser o de fazer duas linhas paralelas se encontrarem em algum ponto de sua trajetória. Ela tem a confiança das mulheres, em grande parte, e quase total dos eleitores negros e os assim chamados latinos ou hispanos. Estes últimos formam contingentes apreciáveis em vários estados: Califórnia, Nevada, Arizona, Novo México, Texas, Flórida, Nova Iork (também em Porto Rico, mas seus habitantes não votam para presidente nem para o Congresso). São 50,5 milhões ou 16,3% da população; 65% deles são de origem mexicana e a proposta de seu adversário republicano Donald Trump sobre a construção de um muro na fronteira com o México (fazendo este país pagar pela obra…) deve tê-los empurrado mais ainda para o lado de Hillary.

Esses “bolsões de eleitores” nos Estados Unidos são importantes, porque a eleição norte-americana se define por uma contagem que se dá em cada estado individualmente, e o candidato vencedor leva todos os seus supereleitores – membros do Colégio Eleitoral que é, de fato, quem elege o presidente (com exceção dos estados do Maine e de Nebraska, onde a escolha de alguns dos supereleitores é distrital). Já houve casos de candidatos terem menos votos populares e ainda assim levarem a eleição, porque tinham maioria no Colégio Eleitoral: George W. Bush foi um deles, contra Al Gore, em 2000.

Também são importantes, pela mesma razão, os candidatos de partidos menores, que têm pouca chance – nenhuma, para dizer a verdade – de vencer a eleição. Mas podem retirar votos de uma candidatura a ponto de prejudicá-la em algum estado-chave, com grande número de supereleitores no Colégio Eleitoral.

Nesse sentido, duas candidaturas merecem atenção: a de Gary Johnson, que tem 7% das intenções de voto, e a de Jill Stein, com 5%. Johnson é candidato pelo Partido Libertário, conservador em matéria de economia, mas mais avançado em matéria de costumes, pois defende a descriminalização das drogas, a livre orientação sexual e outras causas semelhantes. Pode se tornar uma opção para hiperliberais que não queiram votar em Trump. Jill Stein é candidata pelo Partido Verde e pode ser uma opção para partidários de Bernie Sanders que não queiram votar em Hillary. Naquela mesma eleição de 2000, Bush derrotou Gore na Flórida, numa disputa controversa, com acusações de fraude a seu favor, por 537 votos de diferença.

E neste estado o ambientalista Ralph Nader teve mais de 90 mil votos, sendo este acusado de ter tirado a votos de Gore o suficiente para garantir a vitória, embora contestada, de Bush. Uma pesquisa encomendada pelo próprio Nader mostrou que 38% de seus eleitores poderiam ter votado em Gore, se ele não fosse candidato, e 25%, em Bush, dando razão, de certo modo, à alegação. Mas ele lembra que Gore pediu recontagem dos votos, diante das acusações de fraude, e foi barrado pela Suprema Corte numa votação apertada, 5 x 4, que foi, de fato, o fator decisivo que deu a vitória a Bush.

Jill Stein chegou a oferecer sua desistência caso Sanders aceitasse a candidatura pelos Verdes, mas este recusou, preferindo apoiar Hillary. O contingente que o preferia como candidato democrata é uma daquelas linhas paralelas do desafio de Hillary. Não é certo que este contingente vá seguir a orientação de seu pré-candidato preferido. A outra linha paralela para Hillary está no contingente, em outra ponta do espectro político, dos desiludidos com a política tradicional e que, como é costume nessas ocasiões, se inclina majoritariamente para a direita, ou seja, Trump.

São eleitores em geral brancos, trabalhadores com relativamente pouca instrução, ou pertencentes a uma classe média empobrecida. Sentem-se desamparados e preferem uma quase candidatura antiestablishment como a que lhes oferece o milionário Trump. Repudiam as políticas afirmativas dos democratas em relação a negros, latinos e imigrantes ou refugiados. Hillary batalha para atrair parte deste eleitorado para ela, com promessas de aumentar os empregos e os salários. Seu desafio, no momento, é avançar nesta faixa e ao mesmo tempo cativar uma parte dos eleitores de Sanders que prefeririam as posições mais avançadas deste em vários setores.

Este mesmo setor branco, empobrecido, é o forte por detrás da candidatura de Trump. Sua pregação xenófoba os cativa. Mas ao mesmo tempo Trump tem uma relação tempestuosa com o establishment republicano, que o apoia a contragosto ou simplesmente não o apoia. Mitt Romney, que enfrentou Barack Obama na última eleição, já disse que não vai votar em Trump, bem como Jeb Bush, ex-governador da Flórida e irmão de George W. Já o deputado republicano por Nova Iork Richard Hanna foi mais longe: anunciou que vai votar em Hillary.

O relacionamento conturbado de Trump com os demais republicanos se agravou depois de seus comentários agressivos sobre Khizr e Ghazala Khan, pai e mãe do oficial norte-americano Humayan Khan, que morreu na guerra do Iraque numa atitude considerada heroica, defendendo os soldados de seu batalhão diante de um ataque suicida. Os Khan compareceram à convenção democrata, apoiaram Hillary e criticaram Trump por sua atitude antimuçulmana. Trump deu declarações consideradas ofensivas ao casal, sugerindo que só Khizr falara na ocasião por serem eles muçulmanos e a mulher ter “então” uma posição subordinada, ficando em silêncio.

A seguir Trump foi criticado publicamente por John McCain, o senador que enfrentou Obama em 2008, e por Paul Ryan, líder republicano na Câmara de Deputados, além de outros republicanos proeminentes. Trump literalmente desprezou-os, disse que não apoiará McCain e Ryan, que buscam a recondução de suas candidaturas no partido e renovou as críticas ao casal.

É certo que esse tipo de atitude agrada seu contingente preferencial de eleitores, aquele mesmo dos que se sentem ameaçados por imigrantes, refugiados, negros e latinos. Mas pode afastar perigosamente os eleitores mais fiéis ao establishment tradicional dos republicanos.

As últimas pesquisas divulgadas depois das convenções por diferentes institutos dizem que, pelo menos no voto popular, Hillary vem recuperando sua vantagem sobre Trump. Elas lhe dão entre 44 e 52% da preferência do eleitorado, enquanto Trump recebe entre 36 e 43%, com a diferença entre eles oscilando entre 4 e 9%. Resta saber o que isso significará em termos do Colégio Eleitoral, no arrevesado sistema político norte-americano.

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